domingo, 15 de janeiro de 2012

As expectativas para Rio +20 na visão de Ignacy Sachs-ecossocioeconomista (Repórter Eco)


As expectativas para Rio +20 na visão de Ignacy Sachs-ecossocioeconomista

Aos 84 anos, Ignacy Sachs é um cidadão do mundo. nascido na Polônia, veio para o Brasil, ainda criança, com a famíla que fugia da perseguição nazista.Formado em economia no Rio de Janeiro, hoje vive em Paris onde é professor da escola de altos estudos em ciências sociais.Brasilianista reconhecido,Sachs é um dos autores do conceito de ecodesenvolvimento.E se tornou referência nos debates mundiais sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável
Entrevista com Ignacy Sachs -socioeconomista
"Trata-se de uma nova maneira de pensar o desenvolvimento incluindo a dimensão que , tradicionalmente estava sendo ignorada, estava sendo negligenciada.Que dimensão? ambiental"
Ignacy Sachs se autodenomina ecossocioeconomista .Um homem preocupado com destino da humanidade e do planeta. Agora aposta na Rio+20.A Conferência da Onu sobre Desenvolvimento Sustentável,marcada para acontecer no Rio de Janeiro,de 20 a 22 de junho de 2012, 20 anos depois da Eco-92.
Entrevista com Ignacy Sachs -socioeconomista
"Eu acho que a Segunda Cúpula do Rio deveria dar uma oportunidade para manifestar uma posição conjunta dos países emergentes.Aqueles que não fazem parte daquela minoria dos países mais desenvolvidos que utilizam uma grande parte dos recursos naturais e geram uma grande parte da poluição e sim aqueles que tem ainda muito chão pela frente para avançar, mas deveriam fazê-lo de maneira diferente daquela que foi feita pelos países hoje industrializados."
Segundo Sachs, o fato da Conferência da ONU acontecer num momento de crise econômica mundial pode ser positivo:
Entrevista Ignacy Sachs/ecossocioeconomista:
"Quero insistir sobre o fato que uma crise é sempre uma oportunidade para mudar de rumo.Se há crise é que alguma coisa não está andando bem.Agora a grande discussão é qual é a natureza da crise atual. É apenas uma crise conjuntural econômica ou por trás dela existem essas dimensões maiores,parcialmente ocultas."
P:Qual é o papel que o Brail deve assumir na opinião do senhor? R:Primeiro o papel de anfitrião já é um papel extremamente importante e eu acho que quanto mais esforço for feito para costurar uma posição conjunta com os países emergentes.Vamos tentar propor soluções construtivas que permite a uns e outros, avançar no sentido de utilizar melhor os recursos naturais e evitar mudanças climáticas deletérias, sem perder de vista que o nosso objetivo é ético e social de desenvolvimento.Devemos assegurar aos países menos desenvolvidos que continuem o seu desenvolvimento rapidamente de maneira a assegurar condições de vida razoáveis a toda sua população.Para os nossos conhecimentos de hoje temos uma certa capacidade de carga do Planeta que não devemos ultrapassar.Essa capacidade de carga limitada deveria ser utilizada de maneira a não deixar fora da estrada , dezenas de milhões de pessoas.
Portanto objetivos éticos, sociais e ambientais andam de mãos dadas.Essa foi a mensagem de Estocolmo, a mensagem reafirmada no RIO, em 92."

Informações sobre a Rio +20 (em português)
http://www.rio20.info/2012

Autor:
Editora-chefe:Vera Diegoli.Reportagem: Márcia Bongiovanni. Pauta:Marici Arruda. Edição de Texto:Mylene Parisi.

Referência da reportagem: 
http://www2.tvcultura.com.br/reportereco/materia.asp?materiaid=1495

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Ignacy Sachs elogia programas do Governo de Minas



O economista Ignacy Sachs, polonês naturalizado francês e um dos criadores do conceito de desenvolvimento sustentável, visitou o Centro Mineiro de Referência em Resíduos, em Belo Horizonte, no dia 06/12/2007. O centro é um espaço aberto para a discussão e elaboração de políticas públicas na área ambiental e foi criado pelo Serviço Voluntário de Assistência Social (Servas), em parceria com o governo de Minas Gerais. Durante a visita, o economista pôde ver as aulas do Curso de Gestão e Negócios em Resíduos. Alunos de escolas da rede estadual de ensino formam a primeira turma. Além de aulas teóricas, os estudantes fazem oficinas de reciclagem e artesanato. Um bom exemplo é o coletor solar. Feito com garrafas pet, o instrumento é capaz de aquecer cerca de 70 litros de água.

Documentário: Zugzwang. Direção: Duto Sperry. Produção: Matel.Doc

Zugzwang é um documentário de longa metragem brasileiro sobre o impasse em que se encontra a humanidade: a crise das energias fósseis, o aquecimento global, a busca pela sustentabilidade, e a contribuição das bioenergias para o futuro do planeta.

Neste site você acessa trechos deste documentário que trazem alguns dos principais temas tratados pela versão longa, que será lançada em 2009.
Direção: Duto Sperry
Produção: Matel.Doc




















sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

TN Mercado Ético entrevista Ignacy Sachs

ACESSE OS TEXTOS E OS VÍDEOS EM:

“Há futuro para a humanidade? Há futuro para o planeta?”

O tom solene que o jornalista Ricardo Carvalho, do 
Mercado Ético, confere às duas perguntas decorre 
da consciência da gravidade da crise ambiental que vivemos. 
Mas revela-se um tanto excessivo diante da clareza sem-cerimônias 
e da coragem intelectual com que o entrevistado habituou-se a 
enfrentar as grandes questões do seu tempo. 

Ao longo das duas horas de conversa que manteve no final do ano 
passado com Ricardo e o jornalista Antônio Martins, 
do Le Monde Diplomatique Brasil, o economista e cientista social 
Ignacy Sachs, às vésperas de completar 80 anos,  busca no que 
viveu e testemunhou nas últimas décadas o fio condutor para a resposta. 
Submete a História recente – da qual, mais do que observador, 
é protagonista – ao crivo de sua lógica implacável para justificar... 
a recusa à pergunta. 

Para ele, trata-se muito mais de avaliar os graus de liberdade que 
a conjuntura oferece para a ação humana. Não qualquer ação, claro. 
Sachs não perde de vista por um segundo sequer o compromisso de 
vida com a construção de sociedades mais equânimes e solidárias, 
por meio de um modelo de desenvolvimento que subordine o 
crescimento econômico às exigências de igualdade social e 
prudência ambiental. 

Compromisso que exercitou ao longo de sua vida nas diversas 
atividades a que se dedicou no que chama de “três mundos”: 
as duas Europas do pós-guerra, separadas pela Cortina de Ferro, 
e países dependentes como o Brasil. 

Na entrevista, gravada pela  TV Mercado Ético, ele avalia as forças 
sociais que interagem em torno dessas questões desde a segunda 
metade do século 20. Extrai dessa análise uma visão pragmática 
dos caminhos possíveis para avançar. Dedica uma atenção especial 
ao Brasil, país em que viveu durante os  anos de sua formação e 
que nunca deixou de acompanhar de perto.  Não por curiosidade 
acadêmica, mas por acreditar que temos um papel decisivo a 
desempenhar na superação de um período histórico em que o 
petróleo barato bancou a hegemonia de um modelo econômico 
concentrador e perverso, por se alimentar do desperdício brutal 
de recursos naturais e humanos. Para sua conveniência, dividimos 
a entrevista em sete episódios. No primeiro, que publicamos hoje, 
Ignacy Sachs trata dos graus de liberdade que identifica para 
enfrentar o que considera as duas grandes questões do início do 
século 21, as mudanças climáticas e o déficit crônico de 
oportunidades de trabalho decente em escala mundial. 
E abre o debate sobre a premissa que caracteriza toda a sua 
trajetória política e intelectual: o modelo social com que se fará 
o combate à crise ambiental é o ponto estratégico que diferencia 
as forças em conflito. 

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Especialistas discutem alternativas ao aquecimento global


ENTREVISTA – IGNACY SACHS E LADISLAU DOWBOR

Especialistas discutem alternativas ao aquecimento global

Segundo Ignacy Sachs, é preciso reduzir o consumo da energia, e não só substituir o petróleo. Para Ladislau Dowbor, os biocombustíveis podem ser socialmente benéficos se a agricultura familiar for integrada.

Bernardo Kucinski e Flávio Aguiar – Carta Maior

SÃO PAULO – Dando início a uma série de debates sobre alternativas ao aquecimento global, a Carta Maior reuniu no dia 10 de março, em seu estúdio, os professores Ignacy Sachs e Ladislau Dowbor, entrevistados por Flávio Aguiar, editor-chefe, e Bernardo Kucinski, editor-associado. Na pauta de discussões, as possibilidades de substituição dos combustíveis fósseis por renováveis e a sustentabilidade desse processo.
Para o eco-sócio-economista Ignacy Sachs, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, não basta substituir. “Temos que começar a colocar no centro da estratégia a redução do perfil do consumo da energia, o aumento da eficiência do uso final da energia, e só depois colocar, em terceiro lugar, o problema das substituições”, diz ele, que aposta ser possível compatibilizar um aumento da produção dos biocombustíveis com o objetivo da segurança alimentar.
Na mesma linha, o economista Ladislau Dowbor, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), avalia que é possível aproveitar “essa demanda, essa valorização, em termos de produção de renda, que a associação da agricultura com a produção de matéria energética através de culturas consorciadas, de se associar a agricultura alimentar com a produção energética”.
Ele ressalta, porém, que se apenas os interesses empresariais prevalecerem, a monocultura pode ser destrutiva, como ele já presenciou in loco ao trabalhar em países africanos. Dowbor, formado na Polônia e na França, tem 25 livros publicados e é renomado especialista em economia solidária e organização do trabalho.
Sachs, nascido em Varsóvia, em 1927, é professor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris desde 1968. Tem mais de 20 livros publicados e dirige o Centro de Estudos sobre o Brasil Contemporâneo na França. É um dos maiores especialistas do mundo em desenvolvimento sustentável. A seguir, a primeira parte da entrevista com os pesquisadores, que também será editada em DVD oportunamente.
Flávio Aguiar – O aquecimento global e seus efeitos nocivos são um consenso hoje?
Ladislau Dowbor – Acho que sempre é muito extenso o tempo que os cientistas levarão para adquirirem uma razoável certeza (e quando são responsáveis nunca têm completa certeza, mas apenas uma razoável certeza, o que é um problema) sobre o aquecimento global, e isso alcançar formadores de opinião e depois evoluir para o nível político, onde se possa tomar decisões. E esse processo se torna muito mais lento no caso do aquecimento global, devido a iniciativas como, por exemplo, a da ExxonMobil, que gastou rios de dinheiro metendo matéria na imprensa tentando desacreditar a idéia mesma de aquecimento global (1).
Ignacy Sachs – Acho que o trabalho desse grupo de cientistas internacionais está talvez sendo usado como um pretexto para não se passar ao debate político, que tem que ser feito agora. Porque sempre vai haver diferenças de opinião entre os cientistas. Não podemos nos dar ao luxo de esperar até que eles acabem por estar todos de acordo para tomar decisões. Agora, ao mesmo tempo é muito perigoso exagerar essa questão da falta de tempo, porque se não há mais tempo para fazer o que quer seja, a melhor coisa é preparar-se para o fim. Na época da Guerra Fria, circulava no leste da Europa uma piada. O que fazer se começar um alerta atômico? Sem pressa, para não gerar pânico, ir ao armário, pegar o melhor terno, botar camisa branca e gravata escura, e dirigir-se sem correria ao cemitério mais próximo [Risos]. Se não há mais outra coisa a fazer, só nos resta isso. Acho extremamente perigoso este alarmismo. Ele já prejudicou o debate nos anos 70 com o Clube de Roma, que nos dizia que no fim do século XX só haveria uma alternativa: ou morrer por falta de recursos ou morrer por excesso de poluição (2).
Bernardo Kucinski – Queria lembrar outras previsões catastrofistas, como, por exemplo, a explosão demográfica. Mas também nós tivemos algumas histórias de sucesso, como aquela do gás da geladeira (3).
Sachs – Porque era simples e coincidia com os interesses econômicos de um grande grupo industrial.
Kucinski – Exatamente. E queria chamar atenção para um outro fato. A expressão aquecimento global é globalizante, mas os efeitos não são os mesmos nas diferentes regiões da Terra.
Sachs – Nem serão imediatos. Quando nos dizem que os oceanos vão aumentar em um metro, por exemplo, parece que haverá um aumento imediato, mas não é assim...
Kucinski – E lamentavelmente parece que os efeitos no hemisfério norte, que é onde estão os centros de poder, são muito menores do que serão nos países tropicais. Então, há menos urgência nestes países. Está correta essa afirmação?
Sachs – Não sei. A única coisa que nós podemos dizer com certeza é que haverá mudanças climáticas e que elas vão se caracterizar pelas amplitudes cada vez maior dos fenômenos. Mais seca, mais inundação, mais tsunami etc. Agora, nós não sabemos como isso vai incidir sobre diferentes áreas. Um exemplo é o da Corrente do Golfo. Uma das hipóteses discutidas é a de que com o derretimento das geleiras da Groenlândia e mesmo da calota polar a Corrente do Golfo vai mudar de rumo. Se isso acontecer, o aquecimento global vai provocar o resfriamento do clima na Europa do Norte.
Kucinski – Agora, por exemplo, professor, dizem que essas repetidas secas no Rio Grande do Sul significam que já houve uma mudança de padrão climático. Elas não são episódicas. Já fazem parte de um novo padrão.
Dowbor – Acho que o que o Ignacy diz é forte. De um lado, nós temos um processo real que exige tomar medidas. Por outro lado, a gente tem que evitar que isso vire um chavão de um tempo, e que tudo mundo liga qualquer problema que acontece a esse processo global e a gente evita de tomar as medidas racionais.
Aguiar – Se nós olharmos o cinema de hoje, por exemplo, existe disseminada uma estética do fim. O fim pode ser bonito. Seja o do Titanic, que mostra o fim de uma época, seja a o da Guerra dos Mundos, que mostra o impasse de uma civilização. O fim, como é uma coisa extrema, motiva atitudes moralmente dignas ou indignas. Mais do que uma preocupação, existe uma verdadeira estética do fim. Está cada vez mais difícil nós termos uma estética da continuidade da vida. Como nós podemos pensar isso?
Sachs – A síndrome do Titanic, aliás, é o título de um livro de um ambientalista francês, Nicolas Hulot, muito influente. Mas o fim não é um fenômeno esteticamente agradável. Agora, é claro que a arte vai sempre exagerar.
Kucinski – E também não é novo, né? A idéia do fim do mundo já ocorreu várias vezes na história da humanidade.
Sachs – Não é novo. Se nós temos que saber quantas décadas nós temos para fazer a adaptação, é absolutamente fundamental para desenhar o processo. Se me dizem que em dez anos tem que mudar tudo, digo: “Vamos para o cemitério mais próximo”. Agora, se me dizem que eu tenho meio século, um século... O seu exemplo demográfico era muito bom. Falava-se da explosão-bomba da população. Como se controla a explosão demográfica? Através de medidas autoritárias, como ensaiou a China, ou através de uma política social, pela melhora das condições do campo, a melhora da educação das meninas, a melhora das condições sanitárias, com menor mortalidade infantil, com redução da taxa de natalidade? Se eu tenho trinta ou quarenta anos para essa mudança social, valer uma estratégia. Se eu não tenho esse tempo, vale uma outra. Por isso, eu acho: não há dúvida de que temos que mudar o padrão energético deste mundo em que vivemos e reduzir o uso das energias fósseis. Dispomos para isso de algumas décadas. Temos que sair do petróleo antes que ele se esgote completamente. Não é pelo esgotamento do petróleo que temos que sair dele. Ao contrário, é por causa dos efeitos nefastos da energia fóssil. E eu diria: viva a crise do preço do petróleo! O alto preço do petróleo permite fazer coisas que deveriam ter sido feitas já antes. Elas não estavam sendo feitas num mundo que continua a se organizar ao redor de decisões que são tomadas unicamente em função de resultados econômicos de curto prazo. Enquanto o petróleo estava barato, não se fazia nada. O petróleo focou caro, os biocombustíveis estão competitíveis, e todo mundo de repente descobre a necessidade de sair da energia fóssil...
Kucinski – Mas o petróleo não está mais caro. O petróleo ainda custa hoje menos do que custa um litro de água mineral.
Sachs – O petróleo está hoje mais caro do que estava há três anos atrás.
Kucinski – Mas não mais caro do que estava há 15 anos atrás.
Sachs – Mas isso não tem importância. O petróleo hoje está acima do patamar de competitividade do etanol. É por isso que todo mundo está falando do etanol. O etanol é competitivo a partir de 35 dólares o barril do petróleo. O petróleo está acima de 50. Há razões para pensar que ele nunca mais vai baixar abaixo de 50. Talvez suba até 100, ou mais. Portanto, gerou uma situação onde se pode fazer os biocombustíveis.
Dowbor – Basicamente, na visão positiva, que é a que nos interessa, o fato do aquecimento global estar se tornando uma preocupação planetária está, pela primeira vez, agregando diversas forças, está colocando a longo prazo a necessidade de pactuações de interesses planetários. Porque nós falamos de aquecimento global porque a questão emergiu, porque tem o filme do Al Gore (4). Mas, na realidade, nós temos a destruição dos recursos de vida nos mares, temos o problema nas florestas, o esgotamento do solo, esterilização. Quer dizer, nós termos um conjunto de processos. Então o avanço da capacidade planetária, da gente começar a tomar medidas pactuadas e organizadas, é vital. Agora, eu queria puxar uma pergunta para o Ignacy, que me parece central, que é o seguinte: no caso da gente transitar para os diversos usos da agricultura, agora reforçando sua base de fonte energética, isso tanto pode ser um bem, de um lado dinamizava o conjunto de atividades agrícolas, como pode se transformar, especialmente no caso do Brasil, em mais um ciclo de monocultura destrutiva em termos ambientais e econômicos e de concentração de renda. Quais são as opções de organização que a gente estaria recomendando?
Sachs – Você está botando o dedo na ferida. Eu acho que, primeiro, não devemos reduzir o problema da saída da energia fóssil unicamente ao problema da substituição. Temos que começar a colocar no centro da estratégia a redução do perfil do consumo da energia, o aumento da eficiência do uso final da energia, e só depois colocar, em terceiro lugar, o problema das substituições. Agora, contrariamente ao que se afirma em muitos lugares, eu acho que existem condições para compatibilizar um aumento forte da produção dos biocombustíveis com o objetivo da segurança alimentar. Isso não se fará automaticamente. Requer uma política, na qual a ênfase seja posta sobre sistemas integrados de produção de alimentos e energia adaptados aos diferentes biomas, em que se busca produzir a bioenergia a partir da recuperação de áreas degradadas com plantas oleaginosas, robustas, como o pinhão manso, que não tem muita preferência aos olhos dos agrônomos brasileiros, mas que é considerada como a principal planta do biodiesel, por exemplo, na Índia, e em vários lugares na África (5). Temos que pensar muito mais no aproveitamento de florestas plantadas consorciadas. O conceito da RECA (Reflorestamento Econômico Consorciado Adensado)(6). O Brasil desmatou tanto que tem muito espaço para reflorestar. Se a gente pegar tudo isso, e sobretudo, atentar ao fato que estamos nas vésperas de uma revolução tecnológica, mas isso são os próximos cinco anos, vamos passar ao etanol celulose, onde todos os resíduos florestais e vegetais passam a ser a matéria-prima. Acho que a contradição entre a produção de bioenergia e a produção de alimentos pode ser administrada. Segundo problema, vamos ou não desmatar para fazer isso? Aí, a minha resposta é muito mais cautelosa, para não dizer pessimista. Não é que tenhamos que desmatar. Tem espaço fora das florestas. A questão é se a ânsia do lucro não vai precipitar mais desmatamento, porque as terras de lá são mais baratas que as terras em outro lugar. Portanto, temos um problema. Mas, esse problema, conhecemos por muitos lados. O Banco Mundial acaba de financiar um empréstimo para botar matadouros na Amazônia. Quando todo mundo sabe que a principal fonte do desmatamento é a poupança sobre quatro patas do pequeno, que começa a fazer a roça, depois transforma a roça num pasto sujo, depois bota neste pasto sujo algumas vacas, e vai continuando. A soja chega já, em cima do pasto, mas esse ciclo tem que ser controlado. Não vai haver controle do desmatamento da Amazônia sem um severo controle da pecuária extensiva na Amazônia. E o banco vem, de repente, financiar um elemento que vai criar um incentivo para mais desmatamento. Portanto, esse é o outro lado. Dito isso, para mim, a bioenergia aparece como uma extraordinária janela de oportunidade para mudar o modelo social do campo brasileiro. E essa é a questão central do momento. Em que tipo de modelo vai gerar o boom da bioenergia? Nossos colegas da UNICAMP dizem: “Vamos passar de 6 milhões a 30 milhões de hectares da cana”, 30 milhões de hectares da cana seria uma França e meia agrícola. Um mar de cana. Estamos com seis, vamos multiplicar por cinco, qual será o modelo social nestes 24 milhões adicionais de cana?
Aguiar – Aí eu tinha uma pergunta a fazer para o Ladislau. O que o professor Ignacy está chamando a atenção é que não basta mudar o conteúdo da produção. É necessário mudar o modelo produtivo. Não basta trocar os antigos capitães de indústria por cooperativas operárias ou de trabalhadores. É necessário mudar a cadeia de produção. Mas nós vivemos num mundo que está indo na direção contrária a isso. Um mundo cada vez mais individualizado. Cada vez mais, a agricultura produtiva é vista como sendo a agricultura extensiva. Cada vez mais se aproximando deste modelo monocultural, pelo menos em escala regional. Como é que se altera isso? O que é necessário fazer para criar esta política que o professor Ignacy está apontando?
Kucinski – Eu queria complicar um pouco mais a sua questão. Acho que há uma questão também de mudança não só do padrão de produção, mas também do padrão de consumo. O grande vilão desta história toda é o automóvel. Dizem que agora vamos chegar a 2 bilhões de automóveis. Esse complexo, a indústria automobilística, o transporte individual, a mudança de carro todo ano, todo esse padrão, essa sedução de consumo, junto com o complexo da indústria petrolífera, que são as refinarias, os super tanques, os petroleiros, todo esse complexo comandou o processo até agora. Isso criou uma deformação, na verdade, inclusive na qualidade de vida das cidades. Se você não muda esse padrão de consumo, a gente é prisioneiro de uma coisa que vai crescendo cada vez mais.
Dowbor – Deixa-me comentar, primeiro pelo lado da produção. Trabalhei muitos anos na África. Passei sete anos montado sistemas de planejamento. Vi o impacto da monocultura, a destruição radical das capacidades agrícolas do país em detrimento da produção alimentar. Todos nós conhecemos os grandes ciclos da cana, cacau, e outros, como a monocultura pode ser destrutiva, por exemplo, agora no caso da soja, com a dupla face: rende divisas, mas com um impacto para o país. Acho que uma das propostas centrais, que o Ignacy tem trazido com muita força, é que você pode aproveitar essa demanda, essa valorização, em termos de produção de renda, que a associação da agricultura com a produção de matéria energética através de culturas consorciadas, de se associar a agricultura alimentar com a produção energética. Isso implica dinamizar em cada localidade um sistema integrado de desenvolvimento que permita que haja um equilíbrio. O grande perigo deste processo é que eu tenho que pensar o que está na cabeça de uma visão do tipo estritamente empresarial, que só se preocupe com as dezenas de milhares de hectares necessárias para a produção de etanol. O tipo de conta que se faz pode ser diferente. Por exemplo, o Ignacy estava fazendo. Bom, você tem que ter 200 hectares de soja para gerar um emprego. No caso do óleo de palma, 10 hectares. Do ponto de vista do empresário, ele calcula, “para mim não interessa se estou gerando emprego, interessa só o quanto isso rende”. Do ponto de vista de uma política de governo que queira absorver o excedente de mão-de-obra que temos, ou que é subtilizado, você vai ter que fazer um cálculo mais inteligente: diversificação das culturas, torná-las associadas, priorizar cultivos que absorvam mais mão-de-obra. Ou seja, interessa a nós todos a utilidade sistêmica para o país, e não apenas, digamos, mais um horizonte econômico para a monocultura.
Sachs – Há duas observações sobre isso. O problema da mudança da estrutura do consumo evidentemente é aquele do primeiro nível da política energética. E a questão quanto aos automóveis individuais e o transporte coletivo é uma questão extremamente importante. Em cima dela vem um problema: vai se trocar o automóvel por que tipo de consumo? Por exemplo, os projetos norte-americanos sobre a redução da dependência em relação ao petróleo, começam por esse lado: reduzir pela metade o consumo do automóvel graças a uma nova geração de automóveis ultraleves. Isso faz parte da solução. Agora, voltando ao problema da produção e o que queremos. Um conceito que circulou pouco no Brasil, e que merece a maior atenção, é o que se chamou de uma “revolução duplamente verde”. Porque tivemos a primeira revolução verde, que vocês chamam aqui de agricultura produtivista. A produtividade aumentou muito, mas aumentou através do ganho por insumos de agrotóxicos, fertilizantes e dispêndio de capital. E, num dado momento, a gente andava dizendo que a revolução verde ajuda aqueles que não precisam ser ajudados, porque já têm aquele capital que permite entrar na produção, marginalizando os pequenos. Daí surgiu o conceito da revolução duplamente verde. Um dos grandes teóricos desta revolução é o agrônomo indiano mundialmente conhecido M. S. Swaminathan(7), que diz: maior produtividade, total respeito à natureza e orientada para o agricultor familiar. E o Brasil tem condições, mais do que qualquer outro do mundo, de avançar neste caminho.
Aguiar – Mas aí é um problema político?
Sachs – Obviamente. São políticas.
Kucinski – As soluções científicas e técnicas existem. O problema é político. Por isso, a gente tinha que discutir algumas experiências que se originaram do saber científico e deram politicamente certo. Acho que a experiência do protocolo de Quioto, apesar da relutância dos EUA, é uma experiência interessante.
Sachs – Mas eu acho que antes de discutir o internacional, nós temos que reafirmar com toda a força que nesta época da globalização é extremamente importante ter políticas nacionais de desenvolvimento. E ver quais são os instrumentos para esta política. Voltando ao que Ladislau estava dizendo, há o critério de eficiência energética, ou seja, quanto de energia fóssil é necessário para produzir a bioenergia. Os americanos estão num caminho totalmente absurdo, do ponto de vista da eficiência energética. A relação de substituição é de 1 tonelada de energia fóssil para produzir 1,4 tonelada de bioenergia a partir do milho. Na cana, essa relação é de 1 para 8. No dendê, essa relação é de 1 para 5. Na soja, é bastante medíocre, acho que de 1 para 3. Segundo critério: o ambiental. Como isso afeta os gases do efeito estufa? Mas também se deve perguntar como isso afeta as poluições locais. Porque não adianta discutir a redução dos gases do efeito estufa com o álcool, o etanol de cana-de-açúcar, sem olhar os efeitos ambientais da queima do canavial. Portanto, você tem os critérios ambientais, entre os quais está a produtividade por hectare, para poupar terras para a agricultura. Você tem menos de mil litros por hectare da soja, e 6 mil litros do dendê. Entra o problema de água, que não vamos discutir, e entram os critérios sociais. Você gera um emprego por duzentos hectares de soja, um emprego por dez hectares de dendê. E tendo todos esses critérios em vista, além dos critérios tradicionais do custo-benefício, é que deveriam ser tomadas as medidas para autorizar ou não autorizar tais ou tais projetos da expansão da produção da bioenergia. E ainda entra em conta o problema da desnacionalização de um setor da economia que, bem ou mal, era 100% nacional. Hoje empresas internacionais estão comprando e instalando usinas... Onde vamos parar neste processo?
Notas
(1) Segundo a Union of Concerned Scientists (www.ucsusa.org ), com sede em Cambridge, Massachussets, nos Estados Unidos , a ExxonMobil ou Exxon Mobil Corporation investiu 16 milhões de dólares em 43 organizações, entre 1998 e 2005, para gerar uma campanha que desacreditasse a ligação entre efeito estufa e consumo de combustíveis fósseis.
(2) O Clube de Roma é uma organização fundada em 1968 e integrada por economistas, políticos proeminentes das mais variadas tendências, cientistas e outros pensadores acadêmicos (dele fizeram ou fazem parte a rainha da Holanda, Fernando Henrique Cardoso, Mário Soares, o presidente do BID Enrique Iglesias, José Aristodemo Pinotti, a economista Hazel Anderson, entre outros). O Clube mantém um grupo chamado de Think Tank Thirty, com 30 membros na casa dos 30 anos, que elaboram anualmente um relatório sobre problemas mundiais. Em 1972 o relatório, assinado por Donella Meadows, Dennis Meadows, Jorgen Randers e William Behrens III, chamava-se /Limits to growth/, e previa um cenário catastrófico de desorganização mundial pelo esgotamento das fontes de energia, entre outras causas. O livro publicado a partir do relatório vendeu 12 milhões de exemplares.
(3) Em 1987, pelo Tratado de Montreal as empresas produtoras de geladeiras, aparelhos de ar condicionado e de aerossol concordaram em substituir o gás clorofluorcarbono (CFC) que, quando liberado na atmosfera, contribui para destruir a camada de ozônio, pelo hidrofluorcarbono (HFC), que não tem o mesmo efeito. No Brasil essa substituição se completou em 1999. Entretanto, geladeiras antigas ainda funcionam com o CFC, motivo pelo qual deve-se tomar precauções severas em caso de conserto, para não deixar escapar o gás.
(4) “Uma verdade inconveniente”, direção de Davis Guggenheim, sobre o aquecimento global.
5. O pinhão manso (jatropha curcas) é o fruto de uma árvore atarracada, que lembra mais um arbusto de copa larga, comum no sudeste, centro-oeste e nordeste do Brasil, de onde é natural. O fruto é parecido com um jiló.
(6) O RECA partiu de um projeto piloto para combater/reverter o desmatamento intensivo e extensivo praticado na Amazônia em função da agropecuária. Foi adotado pela primeira vez em 1987 no município de Nova Califórnia, em Rondônia, divisa com o Acre.
(7) Presidente da Comissão Nacional para Segurança na Agricultura, Alimentação e Nutrição na Índia.
Acesso em: 11 dez. 2008.

Ignacy Sachs: Biocivilização: o potencial brasileiro

Defensor da biocivilização, o economista Ignacy Sachs diz que esse processo apresenta uma solução para os dilemas da humanidade. No entanto, ele alerta: “Não é possível discutir o problema da insegurança alimentar e da segurança energética a partir da biomassa, sem recolocar no centro do debate a questão de um novo ciclo de desenvolvimento rural”.
Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, na última semana, Sachs anuncia que estamos nos “encaminhando para a segunda geração dos biocombustíveis com o etanol dito celulósico”.
Esse novo biocombustível, explica, irá “aproveitar todos os resíduos vegetais e florestais e irá produzir álcool através da celulose e de espécies arbóreas de crescimento rápido”.
Esse plantio pode favorecer o desenvolvimento econômico dos países tropicais, já que eles “têm uma vantagem natural para produzir mais rapidamente um número elevado de biomassa do que os países de clima temperado”. Nesse contexto, projeta, abre-se uma “chance histórica para o Brasil”, que “tem condições de liderar esse processo de construção da biocivilização moderna”. Questionado sobre os possíveis impactos da ampliação das monoculturas de eucalipto, principalmente no que se refere aos embates pela distribuição de terra, Sachs diz que o projeto deve respeitar três princípios básicos: desenvolvimento ético, condicionantes ecológicos e a criação de um Estado pró-ativo que auxilie no regulamento do mercado.
Ignacy Sachs é formado em Economia, pela Faculdade de Ciências Econômicas e Políticas do Rio de Janeiro, atual Universidade Cândido Mendes. Fundou o Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo, do qual é co-diretor. Criador do conceito de ecodesenvolvimento, Sachs trabalhou na Primeira Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, em 1972, e mais tarde, em 1992, como conselheiro especial da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. De suas obras, destacamos Rumo à ecossocioeconomia - Teoria e prática do desenvolvimento (São Paulo: Cortez, 2007). "

Ignacy Sachs: Biocivilização: o potencial brasileiro
Por: Patricia Fachin, 19/05/2008


IHU On-Line – A que o senhor atribui a crise alimentícia mundial? Por que em pleno século XXI a humanidade ainda enfrenta o problema da fome?
Ignacy Sachs - A crise alimentar não se deve ao déficit da produção de alimentos, e, sim, essencialmente, ao fato de que uma grande parcela da humanidade não tem poder aquisitivo para comprar comida. Ou seja, a questão alimentar está indissoluvelmente ligada à questão social. Portanto, se queremos resolver a crise alimentar, precisamos colocar no centro do debate a questão social e discutir com que modelo vamos produzir mais biocombustíveis e mais alimentos. Para isso, precisamos revisar drasticamente o posicionamento defendido no século XX, de que o futuro está na industrialização e urbanização.

IHU On-Line - O senhor sugere a criação de uma biocivilização moderna. Em que consiste essa proposta? Como ela pode combater os problemas ambientais, sociais e econômicos?
Ignacy Sachs - Do ponto de vista ambiental, a biocivilização é muito mais benigna do que a utilização das energias fósseis. Portanto, não há dúvida de que ela permite afastar a ameaça de mudanças climáticas irreversíveis. Entretanto, a questão é: como, dentro dessa visão de estratégia para o futuro, poderemos assegurar certos equilíbrios? O debate atual versa sobre a necessidade de privilegiar a produção de biocombustíveis. Então, questiono se a busca de uma nova segurança energética poderá prejudicar um objetivo socialmente mais importante, que é a segurança alimentar. Como sabemos, não existem condições de levar toda a população do mundo para a cidade. Por isso, não é possível discutir esse problema da insegurança alimentar e da segurança energética a partir da biomassa sem recolocar no centro do debate a questão de um novo ciclo de desenvolvimento rural. Este pode ser um desenvolvimento rural socialmente negativo, se permitirmos que as lavouras progridam unicamente pelo caminho de uma agricultura sem homens e altamente mecanizada. Ou, podemos, ao contrário, afirmar que a biocivilização oferece uma oportunidade extremamente interessante para tomarmos o rumo de um desenvolvimento rural virtuoso, baseado na agricultura familiar, que gera muito mais oportunidades de emprego e renda para as populações rurais. Muitos ambientalistas defendem a retórica de que as piores energias não comprometem o objetivo da segurança alimentar. Entretanto, nesse caso, é necessário levar outros aspectos em consideração. É preciso prever o aumento da população mundial que, em meados desse século, chegará a 9 bilhões de pessoas. Além disso, deve-se levar em conta o fato de que uma parcela importante da humanidade vai dormir com fome. Portanto, os regimes alimentares devem melhorar. Se deixarmos as coisas acontecerem pela força do mercado, corremos um sério perigo de ver os interesses dos donos de automóveis predominarem sobre o problema dos estômagos vazios, e de partirmos, conseqüentemente, para uma crise alimentar drástica.

IHU On-Line - Como os biocombustíveis podem contribuir para tirar os países da insegurança alimentar e energética?
Ignacy Sachs – A produção de biocombustíveis deve andar de mãos dadas com a produção de alimentos. Não temos de pensar mais em cadeias de produção justapostas, e sim em sistemas integrados de produção de alimento e energia adaptados aos diferentes biomas. Um exemplo: quando se produz óleo vegetal para biodiesel, conseqüentemente é produzido um volume considerável de tortas (derivadas da extração de óleo). Se essas tortas forem bem aproveitadas para a ração animal, pode-se transformar uma pecuária extensiva que ocupa muitos pastos numa pecuária semi-intensiva. Então, essa área livre pode servir à produção de alimentos. Além disso, é importante incentivar o cultivo de plantas que podem servir para a extração de biocombustíveis e crescem em áreas degradadas, impróprias para o cultivo de alimentos. Estamos às vésperas de uma grande revolução tecnológica, ou seja, nos encaminhamos para a segunda geração dos biocombustíveis com o etanol dito celulósico. Esse novo biocombustível irá aproveitar todos os resíduos vegetais e florestais e irá produzir álcool através da celulose e de espécies arbóreas de crescimento rápido.
Seguridade alimentar e energia limpa: um projeto em construção Se avaliarmos tudo isso, chegamos à conclusão de que há condições para avançar simultaneamente no sentido de atender aos requisitos da segurança alimentar e energética, privilegiando uma nova geração de biocombustíveis. Agora, essa visão é particularmente interessante para os países tropicais, que têm uma vantagem natural para produzir mais rapidamente um número elevado de biomassa do que os países de clima temperado. Nesse ponto, se abre a chance histórica para um país como o Brasil. Os brasileiros têm condições de liderar o processo de construção da biocivilização moderna, respeitando esses condicionantes sociais que eu enumerei, e valendo-se do fato de que o sol aqui é, e sempre será, nosso. Porém, não se deve ficar só nessa prerrogativa natural. Deve-se potencializar esse benefício através da pesquisa e da busca de formas apropriadas de organização social do processo produtivo. Este é o desafio e a tarefa para os jovens do Brasil.

IHU On-Line – E o Brasil deve investir na exportação de biocombustíveis? Alguns ambientalistas criticam as exportações justamente porque os produtores, ao invés de plantar em áreas degradadas, tentarão investir em terras nobres, visando um lucro muito maior e agravando as crises ambiental, econômica e social. Como o senhor percebe esse embate?
Ignacy Sachs – Não é possível discutir os problemas nesse nível de generalização. Precisamos cuidar para tratar do meio ambiente como algo não separado do problema social. O desenvolvimento sustentável deve ser, ao mesmo tempo, um desenvolvimento includente. O ponto de partida desse debate deve ser formado pelo seguinte tripé: os objetivos de desenvolvimento são sempre sociais e éticos ou, pelo menos, deveriam ser; existem condicionantes ecológicas, que devem ser explicitadas e respeitadas, sendo que, para que as coisas aconteçam, é preciso dar lhes uma viabilidade econômica, porque não adianta lançar idéias bonitas no ar, se elas não se materializam; e, finalmente, a criação de um Estado pró-ativo que regule o mercado. Sabemos que o mercado é míope e que, nesse processo de exportação de biocombustíveis, não irá considerar questões ambientais e sociais a longo prazo, na medida em que funciona de maneira a externalizar, sempre que possível, os custos para aumentar os lucros. Portanto, se ele não for obrigado, através de uma regulação do seu funcionamento, a levar em conta as dimensões sociais e ambientais, continuará no caminho de externalização dos custos sociais e ambientais do processo de produção.

IHU On-Line – Estamos realmente saindo de um modelo energético insustentável para ingressar num modelo sustentável?
Ignacy Sachs – Já passamos por duas grandes transições na história. A primeira ocorreu quando a nossa espécie passou da caça para a agricultura e pecuária. Depois, aconteceu a segunda grande mudança, no fim do século XVII: a transição para as energias fósseis, abundantes e baratas. Essa transição está na base das revoluções industriais que aumentaram de uma maneira extraordinária. Se, por um lado, a variedade de coisas que estamos produzindo deu lugar a um progresso técnico enorme, por outro, ela vem causando uma emissão cada vez maior de gases de efeito estufa, colocando na agenda o problema da mudança climática. É verdade que estamos no começo de uma saída que levará décadas para acontecer. Nesse novo cenário, vamos outra vez depender, e cada vez mais, da energia solar captada pelo processo de fotossíntese, que era a principal energia da humanidade, antes da revolução da energia fóssil. Contudo, não estou dizendo que iremos regredir. Ao contrário, hoje já sabemos usar melhor a biomassa. Ela é utilizada como ração animal, adubo verde, material de construção, bioenergia, ou seja, é matéria-prima de toda uma química verde. Por isso, devemos falar em biorefinaria como uma analogia à refinaria do petróleo. E é isso que chamo de biocivilização moderna. Quando falamos em substituição de energia fóssil, estamos tratando daquela que provoca emissão de gases estufa, ou seja, petróleo, gás e, sobretudo, as formas atuais da queima de carvão. Nesse contexto, também enfrentamos o problema dos biocombustíveis líquidos, como etanol, biodiesel e biogás, que pode ser produzido em biodigestores, a partir do esterco animal ou dos resíduos orgânicos da cidade, e o problema do carvão vegetal, que requer uma discussão aprimorada, pois a maneira como ele vem sendo produzido, através do corte da lenha, é extremamente predatória, na medida em que consiste na destruição das matas nativas. Outro agravante é a maneira como esse produto é queimado, dentro de um ambiente fechado como a casa: ele produz fumaça e gases poluidores, tendo efeitos muito negativos sobre a saúde. Devemos, então, o mais urgente possível, eliminar essa forma de produção de carvão. Mas, ao mesmo tempo, abre-se a possibilidade de se produzir um carvão vegetal a partir de biomassas plantadas e replantadas. Portanto, não há necessidade de mexer com a mata nativa. Com essas alternativas propostas a partir da biomassa, a humanidade se encaminha para mais um período de transição. Surge, assim, uma nova geração de tecnologias de produção que classifico como carvão vegetal verde.

IHU On-Line - Em que medida o modo de consumo da população contribui para o agravamento dessas duas crises (alimentícia e energética)? Como mudar o estilo de vida das pessoas se a indústria automobilística, por exemplo, fomenta a necessidade de cada indivíduo ter seu próprio automóvel?
Ignacy Sachs - Eu não tenho uma solução. Apenas digo que o consumo excessivo de energia, que caracteriza as civilizações modernas, está ligado ao fato de que a mobilidade é considerada um bem. Com o pretexto da globalização, produtos circulam através do mundo, enquanto poderiam ser produzidos próximos ao lugar do consumo. Além disso, temos um sistema de transporte centrado no automóvel , de uma ineficiência energética enorme, se comparado a outros sistemas de transporte coletivo. Esse é o tema mais importante e difícil do debate. Contudo, insisto, não será da noite para o dia que encontraremos soluções para mudar o paradigma da mudança energética!
Desperdícios que podem ser evitadosSe observarmos qual a parte da energia que finalmente chega à roda do automóvel, percebemos que há um gasto enorme no processo da produção/distribuição. No que se refere ao automóvel, um pesquisador chamado Amory Lovins insiste que, ao invés de produzirmos carros de aço, devemos fazer veículos ultraleves, com materiais modernos como fibras de vidro. Com essa matéria-prima, o peso do automóvel seria reduzido à metade. O consumo, nesse sentido, também diminuiria, porque grande parte da energia que o automóvel consome é para carregar a si mesmo. Para um passageiro que pesa 70kg se deslocar, por exemplo, é necessário deslocar mais uma tonelada de aço. Portanto, há uma série de mudanças que podem ser pensadas.
Acesso em: 11 dez. 2008.

A agricultura familiar pode auxiliar no desenvolvimento do país, se a sociedade der mais atenção ao mercado interno

A invenção do rural
A agricultura familiar pode auxiliar no desenvolvimento do país, se a sociedade der mais atenção ao mercado interno
ENTREVISTA A JANICE KISS
FOTO KLEIDE TEIXEIRA

O socioeconomista Ignacy Sachs diz que tem um olhar severo sobre o Brasil. É uma rigidez, porém, que levanta propostas e aponta soluções para muitos conflitos. Foi para uma missão como essas que ele deixou por alguns dias, no mês passado, a direção da École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, para lançar o livro Desenvolvimento Humano, Trabalho Decente e o Futuro dos Empreendedores de Pequeno Porte no Brasil, em São Paulo.

O estudo é fruto de uma parceira com o Sebrae — Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, e o PNUD — Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Nele, há um capítulo dedicado à importância da pequena propriedade como um novo ciclo econômico para Brasil. 'Não acredito em uma solução urbana', explica.

Há três décadas ele fala em desenvolvimento sustentável e aos 74 anos de idade, viu, conferiu e analisou os planos de vários países que se preocuparam em manter o homem no campo sem excluí-lo da sociedade. Engana-se quem deduz que sua ligação com o rural é resultado de algum vínculo com o meio. Ignacy Sachs é um cosmopolita. Nasceu na Polônia e veio para o Brasil fugindo do anti-semitismo. Se formou em economia no Rio de Janeiro, voltou e saiu da Polônia mais uma vez, fez doutorado na Índia, trabalha em Paris e alimenta uma esperança enorme sobre o futuro do Brasil.

GLOBO RURAL — Por que é preciso redescobrir ou inventar o Brasil rural?
Ignacy Sachs — Não deixa de ser um paradoxo que o Brasil rural represente ao mesmo tempo um extraordinário potencial de desenvolvimento e o maior repositório da miséria e da exclusão. O duplo desafio é aproveitar este potencial, resgatando ao mesmo tempo a dívida social. A consolidação e a modernização da agricultura familiar existente e sua ampliação através da reforma agrária, que tem ainda um longo caminho pela frente. Não creio em uma saída urbana ou em uma agricultura sem homens.
Globo Rural - De que maneira é possível inaugurar esse novo ciclo?
Sachs — Permitindo à agricultura pobre, em vias de ser eliminada, se manter e se desenvolver. Quando se tem a maior biodiversidade do mundo, ampla oferta de solos cultiváveis, grande variedade de climas, ecossistemas e o sol que não poderá ser privatizado, vale a pena pensar em um dos principais preceitos do desenvolvimento sustentável que é a substituição gradual dos recursos não renováveis pelos renováveis. O Brasil tem condições de inaugurar esse novo ciclo se apoiando no trinômio: biodiversidade, biomassa e biotecnologia.

Como garantir o acesso às novas tecnologias para os pequenos agricultores que vivem próximos da exclusão?
Sachs
— Através de um feixe de políticas públicas para que a agricultura familiar tenha acesso aos créditos, à tecnologia, à educação e aos mercados. Deveríamos pensar numa política que favorecesse os pequenos, através das compras públicas como a merenda escolar que fornece diariamente, em todo país, 37 milhões de refeições. Em Santa Catarina foi inaugurado um programa experimental de apoio à agricultura biológica, e em Palmeira, no Paraná, um convênio com a prefeitura assegura o fornecimento às escolas de legumes e hortaliças da agricultura orgânica familiar.

Afora planos como esses, como a agricultura familiar poderia se fortalecer?
Sachs
— Através do associativismo e do cooperativismo. Longe de se contrapor ao empreendedorismo individual, o associativismo é um empreendedorismo compartilhado.
Quais os outros campos que poderiam ser explorados?
Sachs
— Não acredito que o problema da agricultura brasileira esteja tão atrelado à exportação. Possuímos um enorme mercado interno que nem de longe atingiu a saturação dos produtos agrícolas. Dessa forma, o país poderia começar a substituir as importações. É um absurdo que compremos de fora o coco verde, o óleo de dendê ou a borracha natural. E dentro desse campo há um enorme mercado a ser conquistado pela agricultura familiar. Se ela avança, não restam dúvidas de que poderá gerar um multiplicador na economia com uma maior demanda para bens e serviços.

É possível integrar o pequeno produtor e o agronegócio?
Sachs
— Sim, desde que se leve adiante a tese do tratamento desigual para os desiguais, ou seja, a necessidade de criar regras para o pequeno não ficar exposto a um processo de darwinismo social do mercado.

Os pequenos produtores, porém, não têm acesso ao crédito fácil. Como poderiam pensar em ampliar suas atividades?
Sachs
— Através de variadas cooperativas: de poupança, de crédito, de produção, de vendas. Por exemplo, sou um fã do consórcio que no Brasil é usado apenas para comprar eletrodomésticos, viajar ao exterior ou fazer uma cirurgia plástica. Na realidade, o consórcio nada mais é que uma associação de crédito rotativo que tem um longo passado no Japão, Indonésia e mais recentemente na África..

Apesar de suas críticas, o senhor parece ser um otimista.
Sachs
— Meu olhar sobre o Brasil é severo, porque considero o país como um lugar de enorme potencialidades que não são aproveitadas. Daqui a alguns anos a história vai julgar não só a trajetória pela qual esse país atravessou, mas as razões de seu atraso no aproveitamento das suas oportunidades.

O que é a multifuncionalidade da agricultura camponesa?
Além de produzir alimentos e outros produtos da terra e da pecuária, os camponeses atuam como guardiões da paisagem. Quando não são premiados por condições de vida insustentáveis, que os forçam ao uso predatório dos recursos naturais, têm em geral uma sensibilidade ecológica maior que a dos grandes empresários agrícolas. Historicamente, a economia camponesa se perpetuou porque sabia levar em conta o longo prazo, plantando árvores para as gerações futuras e fazendo bom uso da natureza. A racionalidade ecológica moderna nada mais é, afinal de contas, que a racionalidade camponesa alçada a outro nível da espiral dos conhecimentos. Os serviços ambientais prestados pela agricultura familiar respeitosa dos preceitos de manejo ecologicamente sustentável dos solos e das florestas representam fator importante da atratividade turística das regiões rurais, fontes de emprego adicionais para a população local.

O Brasil é mais rural do que imagina?
SACHS
- O termo urbanização deveria se restringir a situações onde as pessoas têm um teto razoável para morar, uma inserção produtiva e condições do exercício de cidadania. O processo de urbanização no país chegou cedo demais. Os que foram expulsos do campo estão longe de ser urbanizados e precisamos abandonar a idéia de que alguns vivem no mundo rural e outros no mundo urbano. Entre os dois existe uma grande fração da população que está no mundo pré-urbano. As favelas e as periferias das cidades são uma espécie de purgatório e as pessoas que lá moram esperam para ser urbanizadas. Dizer que eles foram urbanizados é uma ilusão estatística que foi potencializada por critérios absurdos da definição do que são urbano e rural.

O senhor tinha alguma expectativa com a Rio+10, realizada em Johannesburgo, na África? SACHS -- Não me decepcionei porque não me iludi. Sinto, apenas, pela oportunidade perdida de se definir uma estratégia de transição ao desenvolvimento sustentável que deve ser diferenciada para o norte e para o sul. O norte tem que mudar seu padrão de consumo. O sul precisa valorizar suas próprias potencialidades, seus recursos e se dar conta de que imitar o padrão do norte leva a um apartheid social.

Acesso em: 11 dez. 2008.