quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Especialistas discutem alternativas ao aquecimento global


ENTREVISTA – IGNACY SACHS E LADISLAU DOWBOR

Especialistas discutem alternativas ao aquecimento global

Segundo Ignacy Sachs, é preciso reduzir o consumo da energia, e não só substituir o petróleo. Para Ladislau Dowbor, os biocombustíveis podem ser socialmente benéficos se a agricultura familiar for integrada.

Bernardo Kucinski e Flávio Aguiar – Carta Maior

SÃO PAULO – Dando início a uma série de debates sobre alternativas ao aquecimento global, a Carta Maior reuniu no dia 10 de março, em seu estúdio, os professores Ignacy Sachs e Ladislau Dowbor, entrevistados por Flávio Aguiar, editor-chefe, e Bernardo Kucinski, editor-associado. Na pauta de discussões, as possibilidades de substituição dos combustíveis fósseis por renováveis e a sustentabilidade desse processo.
Para o eco-sócio-economista Ignacy Sachs, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, não basta substituir. “Temos que começar a colocar no centro da estratégia a redução do perfil do consumo da energia, o aumento da eficiência do uso final da energia, e só depois colocar, em terceiro lugar, o problema das substituições”, diz ele, que aposta ser possível compatibilizar um aumento da produção dos biocombustíveis com o objetivo da segurança alimentar.
Na mesma linha, o economista Ladislau Dowbor, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), avalia que é possível aproveitar “essa demanda, essa valorização, em termos de produção de renda, que a associação da agricultura com a produção de matéria energética através de culturas consorciadas, de se associar a agricultura alimentar com a produção energética”.
Ele ressalta, porém, que se apenas os interesses empresariais prevalecerem, a monocultura pode ser destrutiva, como ele já presenciou in loco ao trabalhar em países africanos. Dowbor, formado na Polônia e na França, tem 25 livros publicados e é renomado especialista em economia solidária e organização do trabalho.
Sachs, nascido em Varsóvia, em 1927, é professor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris desde 1968. Tem mais de 20 livros publicados e dirige o Centro de Estudos sobre o Brasil Contemporâneo na França. É um dos maiores especialistas do mundo em desenvolvimento sustentável. A seguir, a primeira parte da entrevista com os pesquisadores, que também será editada em DVD oportunamente.
Flávio Aguiar – O aquecimento global e seus efeitos nocivos são um consenso hoje?
Ladislau Dowbor – Acho que sempre é muito extenso o tempo que os cientistas levarão para adquirirem uma razoável certeza (e quando são responsáveis nunca têm completa certeza, mas apenas uma razoável certeza, o que é um problema) sobre o aquecimento global, e isso alcançar formadores de opinião e depois evoluir para o nível político, onde se possa tomar decisões. E esse processo se torna muito mais lento no caso do aquecimento global, devido a iniciativas como, por exemplo, a da ExxonMobil, que gastou rios de dinheiro metendo matéria na imprensa tentando desacreditar a idéia mesma de aquecimento global (1).
Ignacy Sachs – Acho que o trabalho desse grupo de cientistas internacionais está talvez sendo usado como um pretexto para não se passar ao debate político, que tem que ser feito agora. Porque sempre vai haver diferenças de opinião entre os cientistas. Não podemos nos dar ao luxo de esperar até que eles acabem por estar todos de acordo para tomar decisões. Agora, ao mesmo tempo é muito perigoso exagerar essa questão da falta de tempo, porque se não há mais tempo para fazer o que quer seja, a melhor coisa é preparar-se para o fim. Na época da Guerra Fria, circulava no leste da Europa uma piada. O que fazer se começar um alerta atômico? Sem pressa, para não gerar pânico, ir ao armário, pegar o melhor terno, botar camisa branca e gravata escura, e dirigir-se sem correria ao cemitério mais próximo [Risos]. Se não há mais outra coisa a fazer, só nos resta isso. Acho extremamente perigoso este alarmismo. Ele já prejudicou o debate nos anos 70 com o Clube de Roma, que nos dizia que no fim do século XX só haveria uma alternativa: ou morrer por falta de recursos ou morrer por excesso de poluição (2).
Bernardo Kucinski – Queria lembrar outras previsões catastrofistas, como, por exemplo, a explosão demográfica. Mas também nós tivemos algumas histórias de sucesso, como aquela do gás da geladeira (3).
Sachs – Porque era simples e coincidia com os interesses econômicos de um grande grupo industrial.
Kucinski – Exatamente. E queria chamar atenção para um outro fato. A expressão aquecimento global é globalizante, mas os efeitos não são os mesmos nas diferentes regiões da Terra.
Sachs – Nem serão imediatos. Quando nos dizem que os oceanos vão aumentar em um metro, por exemplo, parece que haverá um aumento imediato, mas não é assim...
Kucinski – E lamentavelmente parece que os efeitos no hemisfério norte, que é onde estão os centros de poder, são muito menores do que serão nos países tropicais. Então, há menos urgência nestes países. Está correta essa afirmação?
Sachs – Não sei. A única coisa que nós podemos dizer com certeza é que haverá mudanças climáticas e que elas vão se caracterizar pelas amplitudes cada vez maior dos fenômenos. Mais seca, mais inundação, mais tsunami etc. Agora, nós não sabemos como isso vai incidir sobre diferentes áreas. Um exemplo é o da Corrente do Golfo. Uma das hipóteses discutidas é a de que com o derretimento das geleiras da Groenlândia e mesmo da calota polar a Corrente do Golfo vai mudar de rumo. Se isso acontecer, o aquecimento global vai provocar o resfriamento do clima na Europa do Norte.
Kucinski – Agora, por exemplo, professor, dizem que essas repetidas secas no Rio Grande do Sul significam que já houve uma mudança de padrão climático. Elas não são episódicas. Já fazem parte de um novo padrão.
Dowbor – Acho que o que o Ignacy diz é forte. De um lado, nós temos um processo real que exige tomar medidas. Por outro lado, a gente tem que evitar que isso vire um chavão de um tempo, e que tudo mundo liga qualquer problema que acontece a esse processo global e a gente evita de tomar as medidas racionais.
Aguiar – Se nós olharmos o cinema de hoje, por exemplo, existe disseminada uma estética do fim. O fim pode ser bonito. Seja o do Titanic, que mostra o fim de uma época, seja a o da Guerra dos Mundos, que mostra o impasse de uma civilização. O fim, como é uma coisa extrema, motiva atitudes moralmente dignas ou indignas. Mais do que uma preocupação, existe uma verdadeira estética do fim. Está cada vez mais difícil nós termos uma estética da continuidade da vida. Como nós podemos pensar isso?
Sachs – A síndrome do Titanic, aliás, é o título de um livro de um ambientalista francês, Nicolas Hulot, muito influente. Mas o fim não é um fenômeno esteticamente agradável. Agora, é claro que a arte vai sempre exagerar.
Kucinski – E também não é novo, né? A idéia do fim do mundo já ocorreu várias vezes na história da humanidade.
Sachs – Não é novo. Se nós temos que saber quantas décadas nós temos para fazer a adaptação, é absolutamente fundamental para desenhar o processo. Se me dizem que em dez anos tem que mudar tudo, digo: “Vamos para o cemitério mais próximo”. Agora, se me dizem que eu tenho meio século, um século... O seu exemplo demográfico era muito bom. Falava-se da explosão-bomba da população. Como se controla a explosão demográfica? Através de medidas autoritárias, como ensaiou a China, ou através de uma política social, pela melhora das condições do campo, a melhora da educação das meninas, a melhora das condições sanitárias, com menor mortalidade infantil, com redução da taxa de natalidade? Se eu tenho trinta ou quarenta anos para essa mudança social, valer uma estratégia. Se eu não tenho esse tempo, vale uma outra. Por isso, eu acho: não há dúvida de que temos que mudar o padrão energético deste mundo em que vivemos e reduzir o uso das energias fósseis. Dispomos para isso de algumas décadas. Temos que sair do petróleo antes que ele se esgote completamente. Não é pelo esgotamento do petróleo que temos que sair dele. Ao contrário, é por causa dos efeitos nefastos da energia fóssil. E eu diria: viva a crise do preço do petróleo! O alto preço do petróleo permite fazer coisas que deveriam ter sido feitas já antes. Elas não estavam sendo feitas num mundo que continua a se organizar ao redor de decisões que são tomadas unicamente em função de resultados econômicos de curto prazo. Enquanto o petróleo estava barato, não se fazia nada. O petróleo focou caro, os biocombustíveis estão competitíveis, e todo mundo de repente descobre a necessidade de sair da energia fóssil...
Kucinski – Mas o petróleo não está mais caro. O petróleo ainda custa hoje menos do que custa um litro de água mineral.
Sachs – O petróleo está hoje mais caro do que estava há três anos atrás.
Kucinski – Mas não mais caro do que estava há 15 anos atrás.
Sachs – Mas isso não tem importância. O petróleo hoje está acima do patamar de competitividade do etanol. É por isso que todo mundo está falando do etanol. O etanol é competitivo a partir de 35 dólares o barril do petróleo. O petróleo está acima de 50. Há razões para pensar que ele nunca mais vai baixar abaixo de 50. Talvez suba até 100, ou mais. Portanto, gerou uma situação onde se pode fazer os biocombustíveis.
Dowbor – Basicamente, na visão positiva, que é a que nos interessa, o fato do aquecimento global estar se tornando uma preocupação planetária está, pela primeira vez, agregando diversas forças, está colocando a longo prazo a necessidade de pactuações de interesses planetários. Porque nós falamos de aquecimento global porque a questão emergiu, porque tem o filme do Al Gore (4). Mas, na realidade, nós temos a destruição dos recursos de vida nos mares, temos o problema nas florestas, o esgotamento do solo, esterilização. Quer dizer, nós termos um conjunto de processos. Então o avanço da capacidade planetária, da gente começar a tomar medidas pactuadas e organizadas, é vital. Agora, eu queria puxar uma pergunta para o Ignacy, que me parece central, que é o seguinte: no caso da gente transitar para os diversos usos da agricultura, agora reforçando sua base de fonte energética, isso tanto pode ser um bem, de um lado dinamizava o conjunto de atividades agrícolas, como pode se transformar, especialmente no caso do Brasil, em mais um ciclo de monocultura destrutiva em termos ambientais e econômicos e de concentração de renda. Quais são as opções de organização que a gente estaria recomendando?
Sachs – Você está botando o dedo na ferida. Eu acho que, primeiro, não devemos reduzir o problema da saída da energia fóssil unicamente ao problema da substituição. Temos que começar a colocar no centro da estratégia a redução do perfil do consumo da energia, o aumento da eficiência do uso final da energia, e só depois colocar, em terceiro lugar, o problema das substituições. Agora, contrariamente ao que se afirma em muitos lugares, eu acho que existem condições para compatibilizar um aumento forte da produção dos biocombustíveis com o objetivo da segurança alimentar. Isso não se fará automaticamente. Requer uma política, na qual a ênfase seja posta sobre sistemas integrados de produção de alimentos e energia adaptados aos diferentes biomas, em que se busca produzir a bioenergia a partir da recuperação de áreas degradadas com plantas oleaginosas, robustas, como o pinhão manso, que não tem muita preferência aos olhos dos agrônomos brasileiros, mas que é considerada como a principal planta do biodiesel, por exemplo, na Índia, e em vários lugares na África (5). Temos que pensar muito mais no aproveitamento de florestas plantadas consorciadas. O conceito da RECA (Reflorestamento Econômico Consorciado Adensado)(6). O Brasil desmatou tanto que tem muito espaço para reflorestar. Se a gente pegar tudo isso, e sobretudo, atentar ao fato que estamos nas vésperas de uma revolução tecnológica, mas isso são os próximos cinco anos, vamos passar ao etanol celulose, onde todos os resíduos florestais e vegetais passam a ser a matéria-prima. Acho que a contradição entre a produção de bioenergia e a produção de alimentos pode ser administrada. Segundo problema, vamos ou não desmatar para fazer isso? Aí, a minha resposta é muito mais cautelosa, para não dizer pessimista. Não é que tenhamos que desmatar. Tem espaço fora das florestas. A questão é se a ânsia do lucro não vai precipitar mais desmatamento, porque as terras de lá são mais baratas que as terras em outro lugar. Portanto, temos um problema. Mas, esse problema, conhecemos por muitos lados. O Banco Mundial acaba de financiar um empréstimo para botar matadouros na Amazônia. Quando todo mundo sabe que a principal fonte do desmatamento é a poupança sobre quatro patas do pequeno, que começa a fazer a roça, depois transforma a roça num pasto sujo, depois bota neste pasto sujo algumas vacas, e vai continuando. A soja chega já, em cima do pasto, mas esse ciclo tem que ser controlado. Não vai haver controle do desmatamento da Amazônia sem um severo controle da pecuária extensiva na Amazônia. E o banco vem, de repente, financiar um elemento que vai criar um incentivo para mais desmatamento. Portanto, esse é o outro lado. Dito isso, para mim, a bioenergia aparece como uma extraordinária janela de oportunidade para mudar o modelo social do campo brasileiro. E essa é a questão central do momento. Em que tipo de modelo vai gerar o boom da bioenergia? Nossos colegas da UNICAMP dizem: “Vamos passar de 6 milhões a 30 milhões de hectares da cana”, 30 milhões de hectares da cana seria uma França e meia agrícola. Um mar de cana. Estamos com seis, vamos multiplicar por cinco, qual será o modelo social nestes 24 milhões adicionais de cana?
Aguiar – Aí eu tinha uma pergunta a fazer para o Ladislau. O que o professor Ignacy está chamando a atenção é que não basta mudar o conteúdo da produção. É necessário mudar o modelo produtivo. Não basta trocar os antigos capitães de indústria por cooperativas operárias ou de trabalhadores. É necessário mudar a cadeia de produção. Mas nós vivemos num mundo que está indo na direção contrária a isso. Um mundo cada vez mais individualizado. Cada vez mais, a agricultura produtiva é vista como sendo a agricultura extensiva. Cada vez mais se aproximando deste modelo monocultural, pelo menos em escala regional. Como é que se altera isso? O que é necessário fazer para criar esta política que o professor Ignacy está apontando?
Kucinski – Eu queria complicar um pouco mais a sua questão. Acho que há uma questão também de mudança não só do padrão de produção, mas também do padrão de consumo. O grande vilão desta história toda é o automóvel. Dizem que agora vamos chegar a 2 bilhões de automóveis. Esse complexo, a indústria automobilística, o transporte individual, a mudança de carro todo ano, todo esse padrão, essa sedução de consumo, junto com o complexo da indústria petrolífera, que são as refinarias, os super tanques, os petroleiros, todo esse complexo comandou o processo até agora. Isso criou uma deformação, na verdade, inclusive na qualidade de vida das cidades. Se você não muda esse padrão de consumo, a gente é prisioneiro de uma coisa que vai crescendo cada vez mais.
Dowbor – Deixa-me comentar, primeiro pelo lado da produção. Trabalhei muitos anos na África. Passei sete anos montado sistemas de planejamento. Vi o impacto da monocultura, a destruição radical das capacidades agrícolas do país em detrimento da produção alimentar. Todos nós conhecemos os grandes ciclos da cana, cacau, e outros, como a monocultura pode ser destrutiva, por exemplo, agora no caso da soja, com a dupla face: rende divisas, mas com um impacto para o país. Acho que uma das propostas centrais, que o Ignacy tem trazido com muita força, é que você pode aproveitar essa demanda, essa valorização, em termos de produção de renda, que a associação da agricultura com a produção de matéria energética através de culturas consorciadas, de se associar a agricultura alimentar com a produção energética. Isso implica dinamizar em cada localidade um sistema integrado de desenvolvimento que permita que haja um equilíbrio. O grande perigo deste processo é que eu tenho que pensar o que está na cabeça de uma visão do tipo estritamente empresarial, que só se preocupe com as dezenas de milhares de hectares necessárias para a produção de etanol. O tipo de conta que se faz pode ser diferente. Por exemplo, o Ignacy estava fazendo. Bom, você tem que ter 200 hectares de soja para gerar um emprego. No caso do óleo de palma, 10 hectares. Do ponto de vista do empresário, ele calcula, “para mim não interessa se estou gerando emprego, interessa só o quanto isso rende”. Do ponto de vista de uma política de governo que queira absorver o excedente de mão-de-obra que temos, ou que é subtilizado, você vai ter que fazer um cálculo mais inteligente: diversificação das culturas, torná-las associadas, priorizar cultivos que absorvam mais mão-de-obra. Ou seja, interessa a nós todos a utilidade sistêmica para o país, e não apenas, digamos, mais um horizonte econômico para a monocultura.
Sachs – Há duas observações sobre isso. O problema da mudança da estrutura do consumo evidentemente é aquele do primeiro nível da política energética. E a questão quanto aos automóveis individuais e o transporte coletivo é uma questão extremamente importante. Em cima dela vem um problema: vai se trocar o automóvel por que tipo de consumo? Por exemplo, os projetos norte-americanos sobre a redução da dependência em relação ao petróleo, começam por esse lado: reduzir pela metade o consumo do automóvel graças a uma nova geração de automóveis ultraleves. Isso faz parte da solução. Agora, voltando ao problema da produção e o que queremos. Um conceito que circulou pouco no Brasil, e que merece a maior atenção, é o que se chamou de uma “revolução duplamente verde”. Porque tivemos a primeira revolução verde, que vocês chamam aqui de agricultura produtivista. A produtividade aumentou muito, mas aumentou através do ganho por insumos de agrotóxicos, fertilizantes e dispêndio de capital. E, num dado momento, a gente andava dizendo que a revolução verde ajuda aqueles que não precisam ser ajudados, porque já têm aquele capital que permite entrar na produção, marginalizando os pequenos. Daí surgiu o conceito da revolução duplamente verde. Um dos grandes teóricos desta revolução é o agrônomo indiano mundialmente conhecido M. S. Swaminathan(7), que diz: maior produtividade, total respeito à natureza e orientada para o agricultor familiar. E o Brasil tem condições, mais do que qualquer outro do mundo, de avançar neste caminho.
Aguiar – Mas aí é um problema político?
Sachs – Obviamente. São políticas.
Kucinski – As soluções científicas e técnicas existem. O problema é político. Por isso, a gente tinha que discutir algumas experiências que se originaram do saber científico e deram politicamente certo. Acho que a experiência do protocolo de Quioto, apesar da relutância dos EUA, é uma experiência interessante.
Sachs – Mas eu acho que antes de discutir o internacional, nós temos que reafirmar com toda a força que nesta época da globalização é extremamente importante ter políticas nacionais de desenvolvimento. E ver quais são os instrumentos para esta política. Voltando ao que Ladislau estava dizendo, há o critério de eficiência energética, ou seja, quanto de energia fóssil é necessário para produzir a bioenergia. Os americanos estão num caminho totalmente absurdo, do ponto de vista da eficiência energética. A relação de substituição é de 1 tonelada de energia fóssil para produzir 1,4 tonelada de bioenergia a partir do milho. Na cana, essa relação é de 1 para 8. No dendê, essa relação é de 1 para 5. Na soja, é bastante medíocre, acho que de 1 para 3. Segundo critério: o ambiental. Como isso afeta os gases do efeito estufa? Mas também se deve perguntar como isso afeta as poluições locais. Porque não adianta discutir a redução dos gases do efeito estufa com o álcool, o etanol de cana-de-açúcar, sem olhar os efeitos ambientais da queima do canavial. Portanto, você tem os critérios ambientais, entre os quais está a produtividade por hectare, para poupar terras para a agricultura. Você tem menos de mil litros por hectare da soja, e 6 mil litros do dendê. Entra o problema de água, que não vamos discutir, e entram os critérios sociais. Você gera um emprego por duzentos hectares de soja, um emprego por dez hectares de dendê. E tendo todos esses critérios em vista, além dos critérios tradicionais do custo-benefício, é que deveriam ser tomadas as medidas para autorizar ou não autorizar tais ou tais projetos da expansão da produção da bioenergia. E ainda entra em conta o problema da desnacionalização de um setor da economia que, bem ou mal, era 100% nacional. Hoje empresas internacionais estão comprando e instalando usinas... Onde vamos parar neste processo?
Notas
(1) Segundo a Union of Concerned Scientists (www.ucsusa.org ), com sede em Cambridge, Massachussets, nos Estados Unidos , a ExxonMobil ou Exxon Mobil Corporation investiu 16 milhões de dólares em 43 organizações, entre 1998 e 2005, para gerar uma campanha que desacreditasse a ligação entre efeito estufa e consumo de combustíveis fósseis.
(2) O Clube de Roma é uma organização fundada em 1968 e integrada por economistas, políticos proeminentes das mais variadas tendências, cientistas e outros pensadores acadêmicos (dele fizeram ou fazem parte a rainha da Holanda, Fernando Henrique Cardoso, Mário Soares, o presidente do BID Enrique Iglesias, José Aristodemo Pinotti, a economista Hazel Anderson, entre outros). O Clube mantém um grupo chamado de Think Tank Thirty, com 30 membros na casa dos 30 anos, que elaboram anualmente um relatório sobre problemas mundiais. Em 1972 o relatório, assinado por Donella Meadows, Dennis Meadows, Jorgen Randers e William Behrens III, chamava-se /Limits to growth/, e previa um cenário catastrófico de desorganização mundial pelo esgotamento das fontes de energia, entre outras causas. O livro publicado a partir do relatório vendeu 12 milhões de exemplares.
(3) Em 1987, pelo Tratado de Montreal as empresas produtoras de geladeiras, aparelhos de ar condicionado e de aerossol concordaram em substituir o gás clorofluorcarbono (CFC) que, quando liberado na atmosfera, contribui para destruir a camada de ozônio, pelo hidrofluorcarbono (HFC), que não tem o mesmo efeito. No Brasil essa substituição se completou em 1999. Entretanto, geladeiras antigas ainda funcionam com o CFC, motivo pelo qual deve-se tomar precauções severas em caso de conserto, para não deixar escapar o gás.
(4) “Uma verdade inconveniente”, direção de Davis Guggenheim, sobre o aquecimento global.
5. O pinhão manso (jatropha curcas) é o fruto de uma árvore atarracada, que lembra mais um arbusto de copa larga, comum no sudeste, centro-oeste e nordeste do Brasil, de onde é natural. O fruto é parecido com um jiló.
(6) O RECA partiu de um projeto piloto para combater/reverter o desmatamento intensivo e extensivo praticado na Amazônia em função da agropecuária. Foi adotado pela primeira vez em 1987 no município de Nova Califórnia, em Rondônia, divisa com o Acre.
(7) Presidente da Comissão Nacional para Segurança na Agricultura, Alimentação e Nutrição na Índia.
Acesso em: 11 dez. 2008.

Ignacy Sachs: Biocivilização: o potencial brasileiro

Defensor da biocivilização, o economista Ignacy Sachs diz que esse processo apresenta uma solução para os dilemas da humanidade. No entanto, ele alerta: “Não é possível discutir o problema da insegurança alimentar e da segurança energética a partir da biomassa, sem recolocar no centro do debate a questão de um novo ciclo de desenvolvimento rural”.
Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, na última semana, Sachs anuncia que estamos nos “encaminhando para a segunda geração dos biocombustíveis com o etanol dito celulósico”.
Esse novo biocombustível, explica, irá “aproveitar todos os resíduos vegetais e florestais e irá produzir álcool através da celulose e de espécies arbóreas de crescimento rápido”.
Esse plantio pode favorecer o desenvolvimento econômico dos países tropicais, já que eles “têm uma vantagem natural para produzir mais rapidamente um número elevado de biomassa do que os países de clima temperado”. Nesse contexto, projeta, abre-se uma “chance histórica para o Brasil”, que “tem condições de liderar esse processo de construção da biocivilização moderna”. Questionado sobre os possíveis impactos da ampliação das monoculturas de eucalipto, principalmente no que se refere aos embates pela distribuição de terra, Sachs diz que o projeto deve respeitar três princípios básicos: desenvolvimento ético, condicionantes ecológicos e a criação de um Estado pró-ativo que auxilie no regulamento do mercado.
Ignacy Sachs é formado em Economia, pela Faculdade de Ciências Econômicas e Políticas do Rio de Janeiro, atual Universidade Cândido Mendes. Fundou o Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo, do qual é co-diretor. Criador do conceito de ecodesenvolvimento, Sachs trabalhou na Primeira Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, em 1972, e mais tarde, em 1992, como conselheiro especial da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. De suas obras, destacamos Rumo à ecossocioeconomia - Teoria e prática do desenvolvimento (São Paulo: Cortez, 2007). "

Ignacy Sachs: Biocivilização: o potencial brasileiro
Por: Patricia Fachin, 19/05/2008


IHU On-Line – A que o senhor atribui a crise alimentícia mundial? Por que em pleno século XXI a humanidade ainda enfrenta o problema da fome?
Ignacy Sachs - A crise alimentar não se deve ao déficit da produção de alimentos, e, sim, essencialmente, ao fato de que uma grande parcela da humanidade não tem poder aquisitivo para comprar comida. Ou seja, a questão alimentar está indissoluvelmente ligada à questão social. Portanto, se queremos resolver a crise alimentar, precisamos colocar no centro do debate a questão social e discutir com que modelo vamos produzir mais biocombustíveis e mais alimentos. Para isso, precisamos revisar drasticamente o posicionamento defendido no século XX, de que o futuro está na industrialização e urbanização.

IHU On-Line - O senhor sugere a criação de uma biocivilização moderna. Em que consiste essa proposta? Como ela pode combater os problemas ambientais, sociais e econômicos?
Ignacy Sachs - Do ponto de vista ambiental, a biocivilização é muito mais benigna do que a utilização das energias fósseis. Portanto, não há dúvida de que ela permite afastar a ameaça de mudanças climáticas irreversíveis. Entretanto, a questão é: como, dentro dessa visão de estratégia para o futuro, poderemos assegurar certos equilíbrios? O debate atual versa sobre a necessidade de privilegiar a produção de biocombustíveis. Então, questiono se a busca de uma nova segurança energética poderá prejudicar um objetivo socialmente mais importante, que é a segurança alimentar. Como sabemos, não existem condições de levar toda a população do mundo para a cidade. Por isso, não é possível discutir esse problema da insegurança alimentar e da segurança energética a partir da biomassa sem recolocar no centro do debate a questão de um novo ciclo de desenvolvimento rural. Este pode ser um desenvolvimento rural socialmente negativo, se permitirmos que as lavouras progridam unicamente pelo caminho de uma agricultura sem homens e altamente mecanizada. Ou, podemos, ao contrário, afirmar que a biocivilização oferece uma oportunidade extremamente interessante para tomarmos o rumo de um desenvolvimento rural virtuoso, baseado na agricultura familiar, que gera muito mais oportunidades de emprego e renda para as populações rurais. Muitos ambientalistas defendem a retórica de que as piores energias não comprometem o objetivo da segurança alimentar. Entretanto, nesse caso, é necessário levar outros aspectos em consideração. É preciso prever o aumento da população mundial que, em meados desse século, chegará a 9 bilhões de pessoas. Além disso, deve-se levar em conta o fato de que uma parcela importante da humanidade vai dormir com fome. Portanto, os regimes alimentares devem melhorar. Se deixarmos as coisas acontecerem pela força do mercado, corremos um sério perigo de ver os interesses dos donos de automóveis predominarem sobre o problema dos estômagos vazios, e de partirmos, conseqüentemente, para uma crise alimentar drástica.

IHU On-Line - Como os biocombustíveis podem contribuir para tirar os países da insegurança alimentar e energética?
Ignacy Sachs – A produção de biocombustíveis deve andar de mãos dadas com a produção de alimentos. Não temos de pensar mais em cadeias de produção justapostas, e sim em sistemas integrados de produção de alimento e energia adaptados aos diferentes biomas. Um exemplo: quando se produz óleo vegetal para biodiesel, conseqüentemente é produzido um volume considerável de tortas (derivadas da extração de óleo). Se essas tortas forem bem aproveitadas para a ração animal, pode-se transformar uma pecuária extensiva que ocupa muitos pastos numa pecuária semi-intensiva. Então, essa área livre pode servir à produção de alimentos. Além disso, é importante incentivar o cultivo de plantas que podem servir para a extração de biocombustíveis e crescem em áreas degradadas, impróprias para o cultivo de alimentos. Estamos às vésperas de uma grande revolução tecnológica, ou seja, nos encaminhamos para a segunda geração dos biocombustíveis com o etanol dito celulósico. Esse novo biocombustível irá aproveitar todos os resíduos vegetais e florestais e irá produzir álcool através da celulose e de espécies arbóreas de crescimento rápido.
Seguridade alimentar e energia limpa: um projeto em construção Se avaliarmos tudo isso, chegamos à conclusão de que há condições para avançar simultaneamente no sentido de atender aos requisitos da segurança alimentar e energética, privilegiando uma nova geração de biocombustíveis. Agora, essa visão é particularmente interessante para os países tropicais, que têm uma vantagem natural para produzir mais rapidamente um número elevado de biomassa do que os países de clima temperado. Nesse ponto, se abre a chance histórica para um país como o Brasil. Os brasileiros têm condições de liderar o processo de construção da biocivilização moderna, respeitando esses condicionantes sociais que eu enumerei, e valendo-se do fato de que o sol aqui é, e sempre será, nosso. Porém, não se deve ficar só nessa prerrogativa natural. Deve-se potencializar esse benefício através da pesquisa e da busca de formas apropriadas de organização social do processo produtivo. Este é o desafio e a tarefa para os jovens do Brasil.

IHU On-Line – E o Brasil deve investir na exportação de biocombustíveis? Alguns ambientalistas criticam as exportações justamente porque os produtores, ao invés de plantar em áreas degradadas, tentarão investir em terras nobres, visando um lucro muito maior e agravando as crises ambiental, econômica e social. Como o senhor percebe esse embate?
Ignacy Sachs – Não é possível discutir os problemas nesse nível de generalização. Precisamos cuidar para tratar do meio ambiente como algo não separado do problema social. O desenvolvimento sustentável deve ser, ao mesmo tempo, um desenvolvimento includente. O ponto de partida desse debate deve ser formado pelo seguinte tripé: os objetivos de desenvolvimento são sempre sociais e éticos ou, pelo menos, deveriam ser; existem condicionantes ecológicas, que devem ser explicitadas e respeitadas, sendo que, para que as coisas aconteçam, é preciso dar lhes uma viabilidade econômica, porque não adianta lançar idéias bonitas no ar, se elas não se materializam; e, finalmente, a criação de um Estado pró-ativo que regule o mercado. Sabemos que o mercado é míope e que, nesse processo de exportação de biocombustíveis, não irá considerar questões ambientais e sociais a longo prazo, na medida em que funciona de maneira a externalizar, sempre que possível, os custos para aumentar os lucros. Portanto, se ele não for obrigado, através de uma regulação do seu funcionamento, a levar em conta as dimensões sociais e ambientais, continuará no caminho de externalização dos custos sociais e ambientais do processo de produção.

IHU On-Line – Estamos realmente saindo de um modelo energético insustentável para ingressar num modelo sustentável?
Ignacy Sachs – Já passamos por duas grandes transições na história. A primeira ocorreu quando a nossa espécie passou da caça para a agricultura e pecuária. Depois, aconteceu a segunda grande mudança, no fim do século XVII: a transição para as energias fósseis, abundantes e baratas. Essa transição está na base das revoluções industriais que aumentaram de uma maneira extraordinária. Se, por um lado, a variedade de coisas que estamos produzindo deu lugar a um progresso técnico enorme, por outro, ela vem causando uma emissão cada vez maior de gases de efeito estufa, colocando na agenda o problema da mudança climática. É verdade que estamos no começo de uma saída que levará décadas para acontecer. Nesse novo cenário, vamos outra vez depender, e cada vez mais, da energia solar captada pelo processo de fotossíntese, que era a principal energia da humanidade, antes da revolução da energia fóssil. Contudo, não estou dizendo que iremos regredir. Ao contrário, hoje já sabemos usar melhor a biomassa. Ela é utilizada como ração animal, adubo verde, material de construção, bioenergia, ou seja, é matéria-prima de toda uma química verde. Por isso, devemos falar em biorefinaria como uma analogia à refinaria do petróleo. E é isso que chamo de biocivilização moderna. Quando falamos em substituição de energia fóssil, estamos tratando daquela que provoca emissão de gases estufa, ou seja, petróleo, gás e, sobretudo, as formas atuais da queima de carvão. Nesse contexto, também enfrentamos o problema dos biocombustíveis líquidos, como etanol, biodiesel e biogás, que pode ser produzido em biodigestores, a partir do esterco animal ou dos resíduos orgânicos da cidade, e o problema do carvão vegetal, que requer uma discussão aprimorada, pois a maneira como ele vem sendo produzido, através do corte da lenha, é extremamente predatória, na medida em que consiste na destruição das matas nativas. Outro agravante é a maneira como esse produto é queimado, dentro de um ambiente fechado como a casa: ele produz fumaça e gases poluidores, tendo efeitos muito negativos sobre a saúde. Devemos, então, o mais urgente possível, eliminar essa forma de produção de carvão. Mas, ao mesmo tempo, abre-se a possibilidade de se produzir um carvão vegetal a partir de biomassas plantadas e replantadas. Portanto, não há necessidade de mexer com a mata nativa. Com essas alternativas propostas a partir da biomassa, a humanidade se encaminha para mais um período de transição. Surge, assim, uma nova geração de tecnologias de produção que classifico como carvão vegetal verde.

IHU On-Line - Em que medida o modo de consumo da população contribui para o agravamento dessas duas crises (alimentícia e energética)? Como mudar o estilo de vida das pessoas se a indústria automobilística, por exemplo, fomenta a necessidade de cada indivíduo ter seu próprio automóvel?
Ignacy Sachs - Eu não tenho uma solução. Apenas digo que o consumo excessivo de energia, que caracteriza as civilizações modernas, está ligado ao fato de que a mobilidade é considerada um bem. Com o pretexto da globalização, produtos circulam através do mundo, enquanto poderiam ser produzidos próximos ao lugar do consumo. Além disso, temos um sistema de transporte centrado no automóvel , de uma ineficiência energética enorme, se comparado a outros sistemas de transporte coletivo. Esse é o tema mais importante e difícil do debate. Contudo, insisto, não será da noite para o dia que encontraremos soluções para mudar o paradigma da mudança energética!
Desperdícios que podem ser evitadosSe observarmos qual a parte da energia que finalmente chega à roda do automóvel, percebemos que há um gasto enorme no processo da produção/distribuição. No que se refere ao automóvel, um pesquisador chamado Amory Lovins insiste que, ao invés de produzirmos carros de aço, devemos fazer veículos ultraleves, com materiais modernos como fibras de vidro. Com essa matéria-prima, o peso do automóvel seria reduzido à metade. O consumo, nesse sentido, também diminuiria, porque grande parte da energia que o automóvel consome é para carregar a si mesmo. Para um passageiro que pesa 70kg se deslocar, por exemplo, é necessário deslocar mais uma tonelada de aço. Portanto, há uma série de mudanças que podem ser pensadas.
Acesso em: 11 dez. 2008.

A agricultura familiar pode auxiliar no desenvolvimento do país, se a sociedade der mais atenção ao mercado interno

A invenção do rural
A agricultura familiar pode auxiliar no desenvolvimento do país, se a sociedade der mais atenção ao mercado interno
ENTREVISTA A JANICE KISS
FOTO KLEIDE TEIXEIRA

O socioeconomista Ignacy Sachs diz que tem um olhar severo sobre o Brasil. É uma rigidez, porém, que levanta propostas e aponta soluções para muitos conflitos. Foi para uma missão como essas que ele deixou por alguns dias, no mês passado, a direção da École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, para lançar o livro Desenvolvimento Humano, Trabalho Decente e o Futuro dos Empreendedores de Pequeno Porte no Brasil, em São Paulo.

O estudo é fruto de uma parceira com o Sebrae — Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, e o PNUD — Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Nele, há um capítulo dedicado à importância da pequena propriedade como um novo ciclo econômico para Brasil. 'Não acredito em uma solução urbana', explica.

Há três décadas ele fala em desenvolvimento sustentável e aos 74 anos de idade, viu, conferiu e analisou os planos de vários países que se preocuparam em manter o homem no campo sem excluí-lo da sociedade. Engana-se quem deduz que sua ligação com o rural é resultado de algum vínculo com o meio. Ignacy Sachs é um cosmopolita. Nasceu na Polônia e veio para o Brasil fugindo do anti-semitismo. Se formou em economia no Rio de Janeiro, voltou e saiu da Polônia mais uma vez, fez doutorado na Índia, trabalha em Paris e alimenta uma esperança enorme sobre o futuro do Brasil.

GLOBO RURAL — Por que é preciso redescobrir ou inventar o Brasil rural?
Ignacy Sachs — Não deixa de ser um paradoxo que o Brasil rural represente ao mesmo tempo um extraordinário potencial de desenvolvimento e o maior repositório da miséria e da exclusão. O duplo desafio é aproveitar este potencial, resgatando ao mesmo tempo a dívida social. A consolidação e a modernização da agricultura familiar existente e sua ampliação através da reforma agrária, que tem ainda um longo caminho pela frente. Não creio em uma saída urbana ou em uma agricultura sem homens.
Globo Rural - De que maneira é possível inaugurar esse novo ciclo?
Sachs — Permitindo à agricultura pobre, em vias de ser eliminada, se manter e se desenvolver. Quando se tem a maior biodiversidade do mundo, ampla oferta de solos cultiváveis, grande variedade de climas, ecossistemas e o sol que não poderá ser privatizado, vale a pena pensar em um dos principais preceitos do desenvolvimento sustentável que é a substituição gradual dos recursos não renováveis pelos renováveis. O Brasil tem condições de inaugurar esse novo ciclo se apoiando no trinômio: biodiversidade, biomassa e biotecnologia.

Como garantir o acesso às novas tecnologias para os pequenos agricultores que vivem próximos da exclusão?
Sachs
— Através de um feixe de políticas públicas para que a agricultura familiar tenha acesso aos créditos, à tecnologia, à educação e aos mercados. Deveríamos pensar numa política que favorecesse os pequenos, através das compras públicas como a merenda escolar que fornece diariamente, em todo país, 37 milhões de refeições. Em Santa Catarina foi inaugurado um programa experimental de apoio à agricultura biológica, e em Palmeira, no Paraná, um convênio com a prefeitura assegura o fornecimento às escolas de legumes e hortaliças da agricultura orgânica familiar.

Afora planos como esses, como a agricultura familiar poderia se fortalecer?
Sachs
— Através do associativismo e do cooperativismo. Longe de se contrapor ao empreendedorismo individual, o associativismo é um empreendedorismo compartilhado.
Quais os outros campos que poderiam ser explorados?
Sachs
— Não acredito que o problema da agricultura brasileira esteja tão atrelado à exportação. Possuímos um enorme mercado interno que nem de longe atingiu a saturação dos produtos agrícolas. Dessa forma, o país poderia começar a substituir as importações. É um absurdo que compremos de fora o coco verde, o óleo de dendê ou a borracha natural. E dentro desse campo há um enorme mercado a ser conquistado pela agricultura familiar. Se ela avança, não restam dúvidas de que poderá gerar um multiplicador na economia com uma maior demanda para bens e serviços.

É possível integrar o pequeno produtor e o agronegócio?
Sachs
— Sim, desde que se leve adiante a tese do tratamento desigual para os desiguais, ou seja, a necessidade de criar regras para o pequeno não ficar exposto a um processo de darwinismo social do mercado.

Os pequenos produtores, porém, não têm acesso ao crédito fácil. Como poderiam pensar em ampliar suas atividades?
Sachs
— Através de variadas cooperativas: de poupança, de crédito, de produção, de vendas. Por exemplo, sou um fã do consórcio que no Brasil é usado apenas para comprar eletrodomésticos, viajar ao exterior ou fazer uma cirurgia plástica. Na realidade, o consórcio nada mais é que uma associação de crédito rotativo que tem um longo passado no Japão, Indonésia e mais recentemente na África..

Apesar de suas críticas, o senhor parece ser um otimista.
Sachs
— Meu olhar sobre o Brasil é severo, porque considero o país como um lugar de enorme potencialidades que não são aproveitadas. Daqui a alguns anos a história vai julgar não só a trajetória pela qual esse país atravessou, mas as razões de seu atraso no aproveitamento das suas oportunidades.

O que é a multifuncionalidade da agricultura camponesa?
Além de produzir alimentos e outros produtos da terra e da pecuária, os camponeses atuam como guardiões da paisagem. Quando não são premiados por condições de vida insustentáveis, que os forçam ao uso predatório dos recursos naturais, têm em geral uma sensibilidade ecológica maior que a dos grandes empresários agrícolas. Historicamente, a economia camponesa se perpetuou porque sabia levar em conta o longo prazo, plantando árvores para as gerações futuras e fazendo bom uso da natureza. A racionalidade ecológica moderna nada mais é, afinal de contas, que a racionalidade camponesa alçada a outro nível da espiral dos conhecimentos. Os serviços ambientais prestados pela agricultura familiar respeitosa dos preceitos de manejo ecologicamente sustentável dos solos e das florestas representam fator importante da atratividade turística das regiões rurais, fontes de emprego adicionais para a população local.

O Brasil é mais rural do que imagina?
SACHS
- O termo urbanização deveria se restringir a situações onde as pessoas têm um teto razoável para morar, uma inserção produtiva e condições do exercício de cidadania. O processo de urbanização no país chegou cedo demais. Os que foram expulsos do campo estão longe de ser urbanizados e precisamos abandonar a idéia de que alguns vivem no mundo rural e outros no mundo urbano. Entre os dois existe uma grande fração da população que está no mundo pré-urbano. As favelas e as periferias das cidades são uma espécie de purgatório e as pessoas que lá moram esperam para ser urbanizadas. Dizer que eles foram urbanizados é uma ilusão estatística que foi potencializada por critérios absurdos da definição do que são urbano e rural.

O senhor tinha alguma expectativa com a Rio+10, realizada em Johannesburgo, na África? SACHS -- Não me decepcionei porque não me iludi. Sinto, apenas, pela oportunidade perdida de se definir uma estratégia de transição ao desenvolvimento sustentável que deve ser diferenciada para o norte e para o sul. O norte tem que mudar seu padrão de consumo. O sul precisa valorizar suas próprias potencialidades, seus recursos e se dar conta de que imitar o padrão do norte leva a um apartheid social.

Acesso em: 11 dez. 2008.

'A CRISE FAZ BEM AO PLANETA'

Entrevista com Ignacy Sachs para o Jornal Estado de Minas

Ignacy Sachs é o palestrante convidado do evento preparatório para o Diálogos da Terra. Esta entrevista foi concedida por ele no dia 09 de novembro.
"A ênfase dada à globalização vai sofrer um retrocesso" Zulmira Furbino.

'A CRISE FAZ BEM AO PLANETA'

Com uma visão positiva do impacto da atual crise econômica global no desenvolvimento sustentável do planeta, o “ecossocioeconomista” e conselheiro das Nações Unidas, Ignacy Sachs, que ajudou a cunhar o conceito de desenvolvimento sustentável no mundo, defende uma mudança radical no estilo de vida do mundo no século 21. Para ele, é preciso reduzir o perfil do consumo de energia, aumentar a eficiência energética e substituir as energias fósseis pelas renováveis. Sachs acredita que a crise iniciada nos Estados Unidos, que acabou por jogar na recessão as economias mais maduras do mundo, marca o fim do mito neoliberal de que os mercados são capazes de se auto-regulamentar. Aposta, ainda, no retrocesso da globalização diante da nova realidade econômica mundial. Ignacy Sachs estará em Belo Horizonte, quinta-feira, para falar da transição no uso das energias fósseis e as saídas da era do petróleo, no encontro preparatório para o evento Diálogos da Terra, que será realizado de 26 a 28 de novembro no Minascentro.

Como a crise financeira global influencia o processo de sustentabilidade do planeta?
A crise tem aspecto altamente positivo. Ela marca o fim do mito neoliberal de que os mercados são capazes de se auto-regular. Portanto, remete mais uma vez a uma questão fundamental: qual Estado, para qual desenvolvimento, que papel e que funções tem esse Estado dentro de uma economia mista onde o mercado tem papel importante, mas deve ser regulado? O segundo aspecto é que a ênfase excessiva dada à globalização vai sofrer um retrocesso.

O senhor afirma que o mundo está em transição. Em que consiste isso?
Se você pegar a longa história da co-evolução da espécie humana com a biosfera, vai ver que até hoje houve duas grandes transições. A primeira, que começou há 12 mil anos, foi a domesticação de plantas e animais que levou à urbanização e a uma série de avanços na civilização. A segunda, no fim do século 17, começou com a utilização de energias fósseis como o carvão e, no século 19, com o petróleo e o gás. Tudo indica que estamos no início de uma terceira grande transição, que é a saída da era do petróleo. É urgente que reduzamos as emissões dos gases que provocam o aquecimento global. Além disso, de acordo com o que dizem a maioria dos geólogos, estamos próximos do pico do petróleo, do momento em que a produção estará no seu máximo. As novas descobertas são inferiores ao consumo da humanidade.

Em quanto tempo isso vai acontecer?
A tendência geral não vai contra a tese de que estamos próximos do pico do petróleo. De qualquer maneira, isso não acontecerá da noite para o dia. O processo vai levar décadas e poderá se prorrogar até o próximo século. Mas se nos voltamos à longa perspectiva da co-evolução da espécie humana com a biosfera, vamos verificar que o período de uso intensivo das energias fósseis vai parecer breve interlúdio de 4 séculos.

Como fica a descoberta das reservas do pré-sal no Brasil nesse contexto?
O pré-sal é um grande bilhete que o Brasil ganhou na loteria. Mais dia, menos dia, esses recursos terão de ser aproveitados. Mas mesmo o pré-sal é um recurso que vai se esgotar. Essa grande descoberta não deve nos distrair da construção de uma civilização duradoura, baseada no uso múltiplo da biomassa. A questão é até onde podemos caminhar na direção que apontei. E isso depende da nossa capacidade e de pesquisa. Se os biocombustíveis levam ao latifúndio e à monocultura, eles não vão resolver o desafio. O importante não é dizer que se pode produzir mais biocombustível, mas mostrar que não há contradição entre segurança alimentar e energia. É preciso mostrar como será a solução e também os impactos sociais das soluções que serão apontadas. Existem margens de liberdade para a maneira de organizar a produção. Esse é o verdadeiro desafio para a política brasileira da próxima década.

Quais as saídas para a situação atual?
A primeira e a mais importante é a redução do perfil da demanda pela energia. Por causa da energia barata, desenvolvemos um estilo de vida extremamente dilapidador dessa energia. Temos de repensar os nossos estilos de vida e de consumo. Depois, há um enorme espaço para aumentar a eficiência e tirar mais proveito da energia consumida. Em terceiro lugar, aparece a substituição das energias fósseis pelo conjunto da energias renováveis: éolica, solar e biocombustíveis, com o etanol como aditivo e substituto da gasolina e o biodiesel como aditivo e substituto do diesel, além da produção de energia elétrica a partir da biomassa. Também podemos incluir o carvão vegetal verde, produzido a partir de resíduos vegetais e de árvores plantadas. Temos, portanto, enorme elenco das substituições diretas das energias fósseis pelas renováveis.

Quando esse processo será concluído?
São processos que nunca acabam. É extremamente importante introduzir um elemento a mais no debate: a substituição indireta das energias fósseis, por meio de um uso maior de produtos derivados da biomassa. Na realidade, biomassa é alimento, é ração animal, é adubo verde, é bioenergia, fibra, plástico e material de construção. Há um leque cada vez maior de produtos derivados da biomassa. As usinas de plástico verde são apenas o começo de toda uma gama de possibilidades. Temos ainda os fármacos e os cosméticos. É possível imaginar uma civilização moderna baseada no uso múltiplo da biomassa explorando o trinômio biodiversidade-biomassa-bioteconologia aplicado nas duas pontas do processo. Essa é uma possibilidade particularmente interessante para países tropicais, onde o Sol é e será nosso. O Brasil é um sério candidato a liderar esse processo de construção das biocivilizações modernas do futuro. É importante nos darmos conta do fato de que no século 21 enfrentaremos dois desafios: as mudanças climáticas e um déficit crônico e sério de oportunidades de trabalho. Portanto, nossa ambição deveria enfrentar esses dois desafios simultaneamente. Isso nos leva a enfatizar o potencial da biocivilização, condicionando seu desenvolvimento a estratégias que privilegiem o agricultor familiar para gerar o maior número de oportunidades decentes possível.


Seria uma volta ao campo, depois da industrialização?
Essa volta é muito difícil. A Organização das Nações Unidas publicou um relatório que diz que metade da humanidade vive nas cidades. Isso significa que a outra metade vive no campo. Não estou pregando a saída massiva de pessoas das cidades para o campo, mas uma política que permita que um número maior de pessoas encontre condições de vida dignas e amenas fora dos grandes centros. A visão de que a urbanização é sinônimo de progresso tem de ser revista seriamente. Refugiados do campo, apinhados em favelas, não constituem a solução dos problemas do desenvolvimento.

Veículo:
ESTADO DE MINAS
Seção: ECONOMIA
Cidade: BELO HORIZONTE
Estado:MG
Data: 09/11/2008
Acesso em: 11 dez. 2008.

Ignacy Sachs: "vivemos sob as ruínas dos antigos paradigmas econômicos"

Ignacy Sachs: "vivemos sob as ruínas dos antigos paradigmas econômicos"

É com base nessa idéia que o economista Ignacy Sachs defende a necessidade de criar novas formas de produção que sejam socialmente includentes e, ao mesmo tempo, considerem os impactos ambientais. Cidadão francês, Sachs nasceu na Polônia, em 1927, e viveu catorze anos no Brasil. Formou-se em economia na antiga Faculdade de Ciências Políticas do Rio de Janeiro, hoje Cândido Mendes, e fez doutorado na Índia, onde teve profundo contato com o pensamento de Mahatma Gandhi. Ficou conhecido na década de 1970 por seus estudos sobre inclusão social e desenvolvimento.

Professor na École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, na qual é co-diretor do Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo, Sachs é enfático ao falar que os maiores desafios que a humanidade enfrenta no começo deste século são as mudanças climáticas, a necessidade de alterar drasticamente a matriz energética e os déficits crescentes de oportunidade de trabalho decente no mundo todo.

Para ele, o processo de substituição do petróleo, elemento central na luta contra as mudanças climáticas, deve contribuir diretamente para a solução da escassez de empregos. Suas idéias sobre o modelo social necessário para essa transição são tratadas na obra de sua autoria Desenvolvimento Includente, Sustentável, Sustentado, publicada em 2004 pela editora Garamond, em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Sachs acredita que estamos passando por aquilo que os demógrafos chamam de desindustrialização. As empresas perderam grande parte da participação na geração de empregos. "Não podemos ter a ilusão de que as cidades vão continuar absorvendo a população do campo", afirma.

A resposta para essa questão, diz Sachs, está num modelo de desenvolvimento rural que agregue as atividades dos pequenos produtores aos negócios das grandes empresas e crie oportunidade de trabalho e renda. Ao mesmo tempo, é preciso combinar as grandes plantações usadas para biocombustíveis com a pecuária e o cultivo de hortifrutigranjeiros.

"O Brasil precisa aproveitar essa enorme janela de oportunidades e construir um modelo social com a indústria fomentando o desenvolvimento rural", afirma o economista. "Caso contrário, vamos gerar muita renda, mas uma grande favela", continua.

A soja é um bom exemplo, segundo ele. Apesar de ser a bola da vez em termos de custo e benefício, sua produção utiliza pouca mão-de-obra. Estima-se que, para cada 100 ou 200 hectares de plantação de soja, apenas um emprego direto seja criado. "Teremos ou não uma política pública e instituições capazes de pautar o mercado por meio de um conjunto de critérios que inclua questões ambientais e sociais? Esse é o tema do dia", conclui.

A seguir, os principais momentos do diálogo com Ignacy Sachs, que aconteceu no auditório do Instituto Ethos, no dia 23 de março de 2007, e contou com a participação de Cláudia Izique, editora do Mercado Ético.

Instituto Ethos: Em nossa opinião, a discussão sobre as bioenergias gira em torno da seguinte dúvida: deve-se produzir energia para as máquinas ou para pessoas? Qual será a alavanca para construir o novo modelo social defendido pelo senhor? E qual seria a função social da empresa?

Ignacy Sachs: O futuro está no desenvolvimento negociado. Cada parceiro terá seu papel e sua função. Eu não colocaria sobre a empresa a incumbência de definir uma estratégia de desenvolvimento nacional ou um projeto nacional. Também não daria a ela o ônus de se responsabilizar por tal projeto. A empresa foi feita para gerar receita. Sua eficiência é medida pelos seus ganhos. O problema é saber até que ponto ela aceita que seus lucros possam ser obtidos por meio de outro modelo de atuação. E o papel do Estado me parece muito importante para essa mudança. O Brasil precisa de um projeto nacional. Não estou fazendo um juízo de valores, mas havia um projeto nacional quando Juscelino Kubitschek lançou o seu ?50 Anos em Cinco?, transferiu a capital para Brasília, criou a indústria automobilística... O país teve também o Estado Novo de Getúlio Vargas. Mas qual é o projeto brasileiro hoje? Onde está o debate? Qual a nossa visão do futuro? Vamos deixar que as favelas cresçam cada vez mais? Vamos aceitar apenas a regulação que vem imposta? Que tipo de desenvolvimento nós queremos? O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) anunciou recentemente um número extraordinário: existem no Brasil 50 milhões de hectares de terra para 1 milhão de famílias. Essa área corresponde ao território da França. E o que está acontecendo com essa França? Não basta distribuir terras e dizer que a reforma agrária está feita. É preciso capacitar a gente do campo para a agricultura familiar, pois a herança da época colonial não é de uma economia camponesa. Essa gente precisa ser assistida no dia-a-dia, necessita de crédito, de outras fontes de financiamento. Há o Banco do Nordeste e o programa Desenvolvimento Regional Sustentável (DRS), do Banco do Brasil, por exemplo, mas ainda é possível melhorar isso. Além disso, há depois o problema de acesso ao mercado. Somente quando essas questões forem levadas em conta, o governo poderá dizer que fez a reforma agrária. O que me parece acima de dúvida é que o Brasil necessita de um programa de transformação de terras em vilas agrícolas.

Mercado Ético: O senhor falou da importância da regulação do mercado. Qual seria o esforço necessário para sair de um sistema de mercado livre, como o que predomina hoje, e fazer o caminho de volta para um Estado desenvolvimentista, como foi no passado?

IS: Não haveria um caminho de volta. Acho que a principal alternativa para o Brasil é transformar o licenciamento ambiental. que já está bem estruturado, num licenciamento social e ambiental. Esse seria o caminho mais prático e rápido. Estive com o secretario de Meio Ambiente do Estado de Minas Gerais, João Carlos de Carvalho e ele também pensa dessa maneira. Acredito que não seria difícil fazer isso.

Agencia Envolverde: As empresas costumam obter ganhos financeiros com a eliminação do trabalho humano e freqüentemente fecham suas portas para os jovens, em nome de uma maior produtividade. Um exemplo é a troca do office-boy, menino que vivia dentro das organizações, aprendendo diversas tarefas, pelo motoboy, que anda colocando sua vida em risco pelas ruas e não adquire nenhum conhecimento sobre a empresa. Esse problema não faz parte do core business das empresas. O que deve ser feito para que elas mudem de comportamento?

IS: O mercado de trabalho é a base de tudo isso. As indústrias não têm mais potencial de gerar empregos diretos. Esse é um fato típico da fase de progresso técnico que estamos atravessando e deveria ser o ponto de partida para definir a estratégia nacional de geração de trabalho. Escrevi sobre isso no meu livro Desenvolvimento Includente, Sustentável, Sustentado, publicado em 2004. Se não há emprego nas indústrias, onde vamos gerar empregos? Primeiro, é preciso expandir a rede de serviços sociais básicos, como educação, saúde, saneamento e, talvez, habitação popular. Esses serviços atingem diretamente o bem-estar da população, sem nenhuma mediação do mercado de trabalho. Em segundo lugar, vamos olhar para os empregos indiretos e a conexão entre as grandes empresas e os pequenos produtores. Mesmo que não seja possível abrir vagas no núcleo central modernizador da empresa, pode-se articulá-las por meio de políticas conscientes de geração de empregos. A integração da agroindústria com pequenos produtores, com maior transparência e controle social sobre os contratos entre as grandes empresas e os pequenos provedores de insumo, é absolutamente importante na busca de oportunidades de emprego. Não acredito no futuro das indústrias intensivas de mão de obra. As empresas desse segmento estão submetidas à competição impiedosa entre os países do Sul, a começar pela China. O setor calçadista no Brasil é um bom exemplo. Indústrias brasileiras de calçado e têxteis se transladam para a China com facilidade. Portanto, é necessário voltar aos ramos de produção em que não há competição estrangeira, como construção civil, obras públicas e agricultura. Temos de buscar empregos onde exista a possibilidade de gerá-los. O que aconteceria se amanhã colocássemos 100 mil operários para realizar o projeto de cisternas no Nordeste, pagando a cada trabalhador um salário mínimo gerado pelo volume de crédito vindo da produção do dendê? Os 100 mil operários provocariam uma demanda adicional de feijão, arroz, cachaça, alpargatas e jeans. Os economistas brasileiros escrevem páginas sobre o milagre chinês, mas 90% do sucesso da China provém de projetos como esse. Falei das cisternas, mas existem mil projetos de irrigação ao longo do Rio São Francisco que deveriam ser considerados, em lugar de se optar por projetos faraônicos. Por que não construir estradas, por exemplo? Tem um milhão de coisas que poderiam ser feitas nesse sentido. Esse é o novo modelo rural que pode fomentar o desenvolvimento brasileiro.

Instituto Ethos: O senhor comentou que as empresas Susano Papel e Celulose e Votorantim são casos de sucesso em consórcios rurais. O que elas estão fazendo e o que as motivou a mudar de atitude?

IS: Durante muito tempo essas empresas tiveram a política de comprar fazendas, plantar e cortar árvores dentro de uma operação vertical da própria empresa. O cultivo de eucaliptos excluía a população local do modo de produção, deixando muitas vezes grandes bolsões de subemprego e desemprego. A situação gerou conflitos com os movimentos sociais do campo. Na verdade, o problema não está na produção de eucalipto, mas na forma como se exerce essa atividade. A alternativa é terceirizar os serviços quando houver demanda pela madeira e não verticalizar a operação dentro da própria empresa. É isso que essas duas companhias estão fazendo. Tanto a Susano como a Votorantim passaram a optar por consórcios rurais com agricultores familiares da região. É uma forma de abrir o diálogo como base do desenvolvimento negociável, pelo qual a grande empresa assina contrato de fomento com o pequeno produtor. Ela compra, fornece as mudas de eucalipto, que levam sete anos para chegar ao ponto de corte, dá assistência técnica e oferece uma renda por antecipação pela madeira que será cortada no sétimo ano. Assim, o pequeno agricultor poderá contar com uma renda mensal por essa atividade. E isso envolve centenas de pessoas. O importante é descobrir como consorciar as atividades da indústria com outras que vão gerar mais empregos e renda localmente. O curioso é que sem o Movimento dos Sem Terra (MST) provavelmente esse diálogo não teria acontecido, na minha opinião. Essa é a dialética da História. As grandes empresas sabem que os resultados do investimento de bilhões de dólares no setor de papel e celulose podem ser inviabilizados se houver movimentos sociais violentos atacando a base florestal. Estamos falando de uma visão de longo prazo,um pouco de responsabilidade social e muito bom senso. É uma forma de fugir do estigma do latifúndio. E isso também está sendo discutido com as empresas siderúrgicas que utilizam de carvão vegetal.

BBC Brasil: Como o governo brasileiro se inclui no debate sobre as variáveis ambientais? O desenvolvimento sustentável está sendo considerado nas políticas do governo ou ele está preocupado somente com o crescimento?

IS: Conversa ou fatos? Se considerarmos, em princípio, o programa nacional de energia de biocombustíveis, as publicações do núcleo de negócios estratégicos e a legislação que instituiu o selo social para o biodisel, a sinalização é de que haverá oportunidade para a agricultura familiar. Não posso responder se os instrumentos que temos hoje são suficientes, mas suspeito que falta apertar alguns parafusos do sistema no setor de biodisel, em que estamos começando do zero e temos a oportunidade de fazer o que quizermos. Já na área do etanol, em que a situação é muito mais complexa e envolve um número muito alto de grandes empresas e usinas, bem como o capital estrangeiro que entra todos os dias, acho que não há a mesma sinalização.

BBC Brasil: Qual é a sua opinião sobre o papel da biotecnologia na produção de alimentos? E em relação aos transgênicos?

IS: A minha visão do futuro deste país está relacionada com uma enorme potencialidade do que eu chamo de biocivilização?, ou seja, o aproveitamento da biomassa como alimento, ração animal e adubo verde e para a produção de bioenergia, material de construção, fármacos e cosméticos. O Brasil tem uma vantagem competitiva muito forte nessas áreas. Possui pesquisa agronômica e biológica de nível internacional e uma indústria de equipamentos que está entre as mais avançadas do mundo no que diz respeito à agroenergia. Precisa potencializar essas vantagens comparativas naturais por vantagens construídas por meio de muito mais pesquisa e organização no campo. Temos biotecnologias para aumentar a produtividade da biomassa e biotecnologias para abrir o leque de produtos derivados dela. O trinômio biodiveridade, biomassa e biotecnologia é o ponto de partida para a construção da biocivilização, que é a melhor resposta aos desafios do século ? um desenvolvimento socialmente includente e ambientalmente sustentável e sustentado. Quanto aos transgênicos, não tenho uma atitude religiosa em relação a eles. Não digo que por definição eles sejam ruins. Também não tenho essa posição em relação à energia nuclear. Por outro lado, em ambos os casos acredito que deva haver prudência nos avanços. No caso da energia nuclear, a coisa é simples. A probabilidade de acontecer um acidente nuclear é infinitamente pequena, mas a possibilidade de que essa probabilidade infinitamente pequena gere um estrago extremamente grande é enorme. Esse é um problema ético e político, querer correr o risco de expor a humanidade a uma probabilidade mínima de um acidente de grandes proporções. Como cidadão votaria contra a energia nuclear. Com os produtos transgênicos eu tenho uma atitude ainda mais prudente. Não está provado que acidentes graves podem ocorrer com o uso dos transgênicos. No entanto, produzir um organismo geneticamente modificado apenas para aumentar em 5% o lucro de uma transnacional não me parece sensato. Isso não quer dizer que devamos fechar as pesquisas relacionadas a produtos transgênicos. Os transgênicos são um resultado do progresso da biotecnologia. Ele tem seus perigos, mas precisamos olhar isso com mais calma, pois as perspectivas que se abrem são interessantes. Dentro deste meu conceito de biocivilização, há o conceito da biorefinaria. Isto é, a exemplo do que ocorre com o petróleo, um mundo cada vez maior de produtos e derivados irá surgir a partir da biomassa.

Revista Adiante: De que maneira os intelectuais que produzem grandes idéias poderiam influenciar nas políticas públicas?

IS: Cada macaco no seu galho. A função dos intelectuais é produzir idéias. Qual vai ser o destino de suas propostas e se elas terão impacto na realidade política ou irão gerar uma reação negativa não dá para prever. Mas, em última instância, tudo depende do jogo das forças políticas. O que nós podemos fazer é lançar algumas idéias e tentar convencer a opinião publica. Eu acho estranho quando dizem que a opinião publica é contra o Estado. Quem é sempre contra o Estado são os jornais e revistas. Mas a grande imprensa não é a opinião pública. Ela é o instrumento de ingerência na opinião pública. Sendo gentil, eu diria que a imprensa é formadora da opinião pública. Sendo direto, digo que a imprensa tenta ingerir na opinião pública e se autoproclama como expressão da opinião pública, enquanto muitas vezes expressa apenas a opinião daqueles que apitam dentro da empresa de comunicação. Portanto não podemos prever qual será o destino das idéias. A história não pode ser escrita na contramão.

Instituto Ethos: Como as empresas podem se articular para promover o movimento de aplicação das tecnologias de desenvolvimento social e como avançar nas políticas nacionais de apoio ao desenvolvimento local?

IS: A rede de tecnologias sociais não tem uma definição muito feliz, na minha opinião, porque tecnologia não é social. Prefiro defini-las como tecnologias de impactos sociais. São técnicas baratas e susceptíveis de um amplo uso. Acredito que esse seja um tema extremamente importante e um dos elementos altos dos dispositivos da política desenvolvimentista do Brasil. Sou fã de uma delas, chamada Produção Agroecológica Integrada Sustentável (Pais) [sistema que alia a produção de hortaliças e a criação de pequenos animais, com patos e galinhas]. Constitui-se numa espécie de mandala de mil hectares com um galinheiro instalado no centro para obtenção de ovos e de esterco. No entorno, desenvolvem-se vários canteiros em círculo para a plantação de hortaliças, com um sistema de irrigação por gotejamento muito simples e econômico. Cada unidade do projeto custa R$ 4,5 mil e a produtividade em geral é positiva. A questão agora é como multiplicar essa idéia. Isso pode modificar a situação de um bóia fria. Esse é o tipo de coisa que deve ser levado para a frente e incentivado. Aproveito para dizer que o Brasil tem uma situação extraordinária, onde mesmo as empresas públicas se sentem responsáveis. Existe um belíssimo programa do Banco do Brasil que se chama Desenvolvimento Regional Sustentável (DRS). Esse programa funciona em 2.500 municípios, com uma carteira de crédito que, dividida entre o banco e parceiros, chega a R$ 1,4 bilhões, um grande negócio. Pode se discutir em tese se o banco deve se envolver nesse movimento. É um caso especial de responsabilidade social em uma empresa pública. Mas eu ficaria mais tranqüilo se em todos os municípios houvesse alguém que desenvolvesse esse projeto, sem esperar pelo Banco do Brasil.

Instituto Ethos: São poucos os intelectuais e pesquisadores que atuam e se dedicam de forma tão profunda aos temas sociais a ponto de ter respostas tão surpreendentes. O senhor previa o fim da era do petróleo em seu momento mais áureo. Qual é a sua sensação em saber que construiu um conhecimento que é fundamental para a sociedade?

IS: Você quer saber como um dinossauro que teve a chance de passar de um século a outro vê o percurso? Vou publicar no final deste ano um livro autobiográfico intitulado A Terceira Margem do Rio. Peguei o título de um conto do escritor Guimarães Rosa que fala de um pescador que um dia avisa sua família que não voltará para casa enquanto não encontrar a terceira margem do rio. É assim que me sinto em relação ao socialismo que procurei construir durante toda a minha vida. E à beira do capitalismo ainda procuro essa terceira margem, embora duvide muito que a encontre antes do dia em que me mude de domicílio de uma vez por todas. O momento que passamos hoje é muito interessante. Estamos vivendo sobre ruínas de grandes paradigmas. No ano de 1945, partíamos de três idéias-chave que os dois lados da cortina compartilhavam: pleno emprego como objetivo central das políticas de governo; um Estado protetor e provedor de serviço social de base; e planejamento para evitar desperdício de recursos. Quando, em 1944, em Londres, Friedrich Hayek escreveu os panfletos O Caminho da Servidão, contra o planejamento, era ele o dissidente. Foi com base nesses três ideais que o capitalismo conheceu sua fase de ouro. O período ficou conhecido como os 30 anos gloriosos. A ele se pode atribuir alto crescimento econômico, progressos sociais indiscutíveis e uma tremenda destruição do meio ambiente. O outro lado da cortina de ferro mantinha os mesmos objetivos. Ninguém contestava que era preciso ter pleno emprego no socialismo, por exemplo. O embate era sobre os métodos usados para atingir essas metas. Em 1969, com a invasão da Tchecoslováquia, o capitalismo saiu vitorioso e acabaram-se as chances de um mundo socialista. Com Margareth Thatcher e Ronald Reagan, começa a fase do neoliberalismo, que abala seriamente o keynesianismo e o Estado atuante do capitalismo reformado. O Consenso de Washington, que surgiu com a contra-reforma liberal, não cumpre suas promessas. A socialdemocracia entra numa crise aguda, porque foi longe demais na aceitação da economia de mercado. Ao abandonar a economia de mercado, o Estado procura remendar os efeitos sociais negativos por meio de políticas sociais compensatórias. Os avanços nas questões ambientais são poucos até 1992. Ou seja, o movimento ambiental está na contramão do neoliberalismo. Atravessamos um período da História em que os antigos paradigmas não funcionam mais. Temos a obrigação de criar outros modelos de produção econômica. E eu acredito que os desafios são esses que citei para vocês.

(Instituto Ethos)

Disponível em: <http://mercadoetico.terra.com.br/noticias.view.php?id=65>.
Acesso em: 11 dez. 2008.

Biocombustíveis e alimentos: Concorrência ou complementaridade? por Ignacy Sachs

Carta maior - sexta-feira 22 de junho de 2007

Biocombustíveis e alimentos: Concorrência ou complementaridade?, por Ignacy Sachs

É falsa a dicotomia absoluta entre plantio de cana para a produção de etanol e a produção de alimentos. Danosa é a indexação da produção de cereais, óleos e açúcares ao preço do petróleo. A análise é de Ignacy Sachs.
Ignacy Sachs*

Equivoquei-me ao pensar que Cuba, país canavieiro por excelência, viraria um aliado do Brasil na cruzada pela promoção dos biocombustíveis como substitutos da energia fóssil, produzidos por agricultores familiares, de maneira a enfrentar simultaneamente os dois maiores desafios do século : as mudanças climáticas e o déficit agudo de oportunidades de trabalho decente.

O ataque mais violento contra os biocombustíveis foi desfechado por Fidel Castro, que viu neles uma ameaça terrível contra a segurança alimentar. Já antes dele o ambientalista norte-americano Lester Brown falou do embate dramático entre 800 milhões dos donos dos automóveis e dois milhões de estômagos vazios, como se os pobres pelo mundo afora estivessem passando fome por falta de alimentos e não por falta de poder aquisitivo para comprá-los.

Se uma ameaça contra a segurança alimentar existe, ela se deve ao atrelamento de preços de milho, óleo de dendê, açúcar ao preço do petróleo. Bastou o presidente Bush anunciar um programa ambicioso de produção de etanol de milho para provocar uma alta dos preços das tortillas, alimento de base dos mexicanos. Isto sem falar que pouco sentido faz do ponto de vista da luta contra as mudanças climáticas um programa como este, já que a eficiência energética do etanol de milho é muito baixa.

No entanto, há fortes razões para pensar que a competição pelos solos agriculturáveis entre biocombustíveis e alimentos pode ser administrada através de um conjunto de medidas:

- Priorização de áreas degradadas e desmatadas para o plantio de culturas energéticas; o plano indiano de agroenergia privilegia a reabilitação de solos degradados pelo brasileiríssimo pinhão manso que teria três virtudes: se dá bem em solos pobres, produz frutos durante quarenta anos, não é comestível.

- Aproveitamento dos resíduos florestais, das partes não comestíveis das plantas alimentares, de gramíneas e de árvores para a produção do etanol celulósico, que começará a entrar no mercado dentro de poucos anos.

- Ênfase sobre sistemas integrados de produção de alimentos e energia, entre os quais se destaca a integração da pecuária com a produção da cana-de-açúcar e de óleos vegetais.
Um exemplo espetacular de um sistema integrado vem da Argentina. A Adecoagro, uma empresa localizada em Santa Fé, dona de 240 mil hectares de terra na Argentina, Brasil e Uruguai, se propõe a produzir 210 milhões de litros de etanol de milho por ano a partir de 500 mil toneladas deste cereal. O projeto prevê o acoplamento de 45 mil vacas estabuladas, cujo leite será transformado em 50 mil toneladas de leite em pó e queijos destinados ao mercado externo. As vacas serão alimentadas com os resíduos da extração do etanol de milho. O sistema todo funcionará com base em 37 milhões de metros cúbicos de biogás extraídos de um milhão de toneladas de esterco, com sobras de energia e fertilizantes a serem comercializados.
O sistema foi desenhado tomando como paradigma os ecossistemas naturais e merece, deste ponto de vista, toda a atenção. É pena que a biomassa escolhida tenha sido o milho. Por outro lado, a escala do projeto é assustadora pelos problemas logísticos que vai enfrentar. Além de que ele não contempla a participação da agricultura familiar.

Por isso, a minha preferência vai a um outro projeto experimental que a Petrobrás acaba de lançar no Rio Grande do Sul em colaboração com uma cooperativa de pequenos agricultores familiares. O projeto prevê a instalação de várias micro-destilarias de cana-de-açúcar. Os cooperados plantarão em média apenas dois hectares de cana, cujas pontas serão utilizadas para alimentar o gado leiteiro. É claro que as unidades familiares não se limitarão à produção da cana. É difícil superestimar a importância deste projeto experimental desenhado de maneira a deixar na mão de pequenos agricultores toda a produção do etanol, reabrindo na ocasião, o debate sobre o papel a ser reservado às micro-destilarias e à produção local em pequena escala.

Poucos se lembram que este tema foi levantado no fim dos anos setenta pelos responsáveis de então pelo Pró-Alcool. Um projeto de lei de apoio a micro e mini-destilarias chegou a ser apresentado ao Congresso, mas foi arquivado.

Já que estamos falando de modelos alternativos da produção de etanol, convém lembrar que em Alagoas funciona a única usina de etanol pertencente a uma cooperativa de pequenos e médios agricultores, Pindorama. Por que não pensar em outras Pindoramas em áreas que devem acolher assentamentos de reforma agrária?

* Ignacy Sachs é diretor do Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo na École de Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, na França
Disponível em: <http://www.sucre-ethique.org/biocombustiveis-e-alimentos>. Acesso em: 11 dez. 2008.

“O tripé do desenvolvimento includente”

Ignacy Sachs, PALESTRA MAGNA “O tripé do desenvolvimento includente” no Seminário de Inclusão Social, realizado em 22/23 setembro de 2003, no BNDES.
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EXCERTO
“O desenvolvimento includente requer uma estratégia tridimensional: a consolidação e expansão do núcleo modernizador, condição para o crescimento sustentado, deve ser suplementada pela identificação de todas as oportunidades de crescimento puxado pelo emprego e pela promoção de instrumentos de ação direta sobre o bem-estar das populações, sob a forma de redes públicas de serviços de base, educação, saúde, saneamento e habitação que, diga-se de passagem, são geradoras de numerosos empregos. A sua importância deve-se ao fato de que estes serviços permitem a efetivação dos direitos humanos fundamentais. O desenvolvimento, em última instância, consiste precisamente na universalização destes direitos.”
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ÍNTEGRA
Muito obrigado, senhor Ministro, caro professor Lessa, senhoras e senhores. É uma honra estar aqui para uma discussão que é brasileira, mas que também é mundial, como foi dito pelo Ministro Wagner. O texto completo do trabalho que fiz para OIT sobre o desenvolvimento includente foi traduzido e está nas pastas que os senhores receberam, portanto eu serei breve. Vou insistir sobre os pontos essenciais. Tomarei a conclusão de um recente artigo do embaixador Rubens Ricupero, o qual diz que sem emprego a equação brasileira não fecha, sem crescimento acelerado e industrialização o Brasil não tem conserto. Eu acho que tudo está dito nesta frase. Para superar a heterogeneidade estrutural da economia, desinformalizá-la e começar a saldar a dívida social acumulada no decorrer de décadas de um crescimento rápido, porém socialmente perverso, o Brasil precisa voltar a crescer. O país precisa de um crescimento com alta intensidade de empregos, tratando a relação emprego-crescimento como uma variável chave da estratégia do desenvolvimento includente e nivelador das disparidades de renda e riqueza. O desenvolvimento includente que se contrapõe ao padrão de crescimento excludente e concentrador foi muito bem estudado pelos cepalinos. O adjetivo “includente” deveria ser completado por “ambientalmente sustentável e sustentado”, no sentido que os economistas dão a esta palavra para evitar os vai-e-vens de crescimento, seguido por estagnação ou recessão. O que nos interessa é a maximização das oportunidades de ocupação decentes no conceito da Organização Internacional do Trabalho. Acho esse adjetivo, que não é quantificável, muito importante, porque ele introduz a dimensão qualitativa no debate. O emprego decente é aquele que remunerado, razoavelmente, dentro das condições econômicas do país e onde o trabalho está sendo realizado em condições satisfatórias de higiene, de saúde e de relações humanas. E não há dúvida que a maximização das oportunidades de ocupação decentes constitui a pedra angular do desenvolvimento includente. Sempre que possível, e isso foi enfatizado na mesa introdutória, a inclusão social pelo trabalho, ou melhor, a geração de empregos, de auto-empregos e a promoção de empreendimentos de pequeno porte, devem ser preferidas a políticas sociais compensatórias. Essa preferência se deve a duas razões: a inclusão pelo trabalho conjuga objetivos econômicos e sociais contribuindo para o aumento da renda e do bem-estar social; e ela oferece uma solução permanente e não requer, portanto, um financiamento recorrente ano após ano como as políticas compensatórias. Pode-se comparar a economia brasileira a um arquipélago de empresas modernas, algumas de classe internacional, imersas num oceano de pequenas atividades, de baixa ou baixíssima produtividade. O arquipélago responde por uma parcela determinante do PIB, e uma grande parte da população produz meios de vida precária no oceano. Por certo, o Brasil precisa de grandes investimentos para consolidar e expandir o núcleo modernizador de sua economia, constituído por indústrias high tech e pela agricultura mecanizada, atividades essas altamente produtivas e capazes de competir nos mercados mundiais. O país precisa recuperar o atraso sofrido nos últimos vinte anos em que diz respeito ao crescimento da produtividade do trabalho. Não esqueçamos que esta constitui, em última estância, a base do progresso econômico. Os dados sobre a produtividade e a média global do país são dificilmente comparáveis de um país a outro, mas segundo um estudo recente da OIT, de 1982 a 2001 a produtividade por hora trabalhada no Brasil ficou estagnada crescendo a 0,2% ao ano, ante a uma média mundial de 1,5% na década dos anos 80 e 1,9% na década dos anos 90. O problema da produtividade se coloca obviamente, portanto, mas ao mesmo tempo deve-se responder ao desafio de inclusão social pelo trabalho decente da maioria operosa da nação, sub-empregada no oceano à que me referi. Mais emprego e maior produtividade, à primeira vista estes dois objetivos afiguram-se como contraditórios, por toda parte vemos eventos de crescimento sem empregos, o “jobless growth” nos países industrializados e não apenas lá. Recentemente um artigo do The New York Times disse que não é mais o “jobless growth”, é o “job loss growth”, ou seja, um crescimento com perda de emprego e não sem geração de novos empregos. Estudos da OIT mostraram que a elasticidade de emprego com relação ao crescimento econômico na China e na Índia é de apenas 0,1%, ou seja, para aumentar de 1% o emprego seria necessário que o país crescesse 10%. É uma elasticidade extremamente baixa. Não resta dúvida de que a geração de empregos diretos no núcleo modernizador será muito limitada, se não negativa. Mas não se pode dizer o mesmo dos empregos indiretos à montante e à jusante. Daí a importância de explorar sistematicamente os encadeamentos entre o núcleo modernizador e o resto da economia, visando uma melhor relação entre empregos diretos e indiretos. Esse objetivo pode ser logrado por vários caminhos: Promovendo a montagem de redes de empreendimentos de pequeno porte, fornecedores de insumos e serviços a grandes empresas, dando preferência entre os fornecedores àqueles que trabalham com métodos intensivos em mão-de-obra, sem prejuízo da qualidade do produto ou serviço, com destaque, sempre que possível, para a substituição das importações. O Brasil tem um enorme potencial de substituição das importações, a começar pela substituição das importações na área agrícola. Meu exemplo favorito é o óleo dendê. Terceirizando serviços de limpeza, segurança e manutenção, às micro e pequenas empresas e às cooperativas do trabalho, sem permitir que estas últimas sirvam para burlar as leis trabalhistas, assunto que provavelmente vai aflorar. Incentivando a criação de oficinas especializadas em serviços pós-venda, tais como a manutenção e conserto de equipamentos industriais e domésticos. Articulando as indústrias pertencentes ao complexo bioindustrial commilhões de agricultores familiares individuais ou reunidos em cooperativas. Envidando esforços para multiplicar à jusante das indústrias siderúrgicas e metalúrgicas, oficinas artesanais e microempresas que transformam em produtos acabados os insumos por elas fornecidos, adensando as cadeias produtivas nacionais em vez de se concentrar unicamente na exportação dos semi-industriais. Por último, cabe insistir nos empregos gerados indiretamente, através da demanda ampliada por bens e serviços consumidos pelos trabalhadores das indústrias pertencentes ao núcleo modernizador da economia. Fica claro que, quanto maior for o nível dos seus salários, tanto maior será esta demanda. Neste particular, o fordismo mantém a sua pertinência. O que atua em sentido contrário são os lucros expatriados e os rendimentos dos executivos gastos fora do país. Duas observações cabem aqui: a questão dos empregos indiretos é por demais importante na formulação de estratégias de desenvolvimento includente para tolerar que a estimativa do seu número seja deixada ao chutômetro. Não se trata tampouco de um parâmetro que possa ser derivado de experiências passadas e sim, como já dissemos, de uma variável estratégica que pode e deve ser influenciada por políticas públicas e pelo comportamento das grandes empresas. A maximização de empregos indiretos deve, portanto, ser objeto de cuidadosos estudos e de negociações entre os poderes públicos, os empresários grandes e pequenos e os trabalhadores com vista à construção de sinergias positivas entre as grandes indústrias e os empreendimentos de pequeno porte. Esta é, para mim, uma área que se abre para a atuação do Sebrae e para uma negociação que eu costumo chamar de quadripartite, ou seja: não são só os trabalhadores, os empresários e os poderes públicos, é ainda a sociedade civil organizada um novo parceiro nesta empreitada. O desenvolvimento includente requer uma estratégia tridimensional: a consolidação e expansão do núcleo modernizador, condição para o crescimento sustentado, deve ser suplementada pela identificação de todas as oportunidades de crescimento puxado pelo emprego e pela promoção de instrumentos de ação direta sobre o bem-estar das populações, sob a forma de redes públicas de serviços de base, educação, saúde, saneamento e habitação que, diga-se de passagem, são geradoras de numerosos empregos. A sua importância deve-se ao fato de que estes serviços permitem a efetivação dos direitos humanos fundamentais. O desenvolvimento, em última instância, consiste precisamente na universalização destes direitos. O conceito de crescimento puxado pelo emprego abrange todos os ramos da economia onde ainda é possível avançar com métodos intensivos em mão-de-obra sem perder de vista que o aumento da produtividade é um objeto universal que inclui também as atividades de baixa intensidade de capital. Mesmo aí, nós temos que ter presente o objetivo de aumentar esta baixíssima produtividade. Mas até um certo ponto, a baixa produtividade que predomina no oceano constitui uma oportunidade para avanços rápidos com tecnologias conhecidas. É o problema da inovação e não da invenção de tecnologias novas. Queremos é maximizar o emprego decente combinando atividades de diferentes níveis de produtividade, em vez de buscar a maior produtividade possível do trabalho às custas do emprego. Ao lado do artesanato e das indústrias naturalmente intensivas em mão-de-obra, as maiores margens de liberdade existem na produção de bens e serviços não-comerciáveis, os non-tradables não submetidos à concorrência estrangeira, ou seja, a produção de serviços sociais, técnicos e pessoais, a construção civil e as obras públicas. A estes podemos acrescentar os empregos relacionados com a redução do desperdício no uso dos recursos naturais como a conservação de energia, a conservação de água, a reciclagem, os empregos ligados a uma manutenção mais cuidadosa do patrimônio já existente, de infra-estruturas, equipamentos e parque imobiliário, além de uma maneira de prorrogar a sua vida útil e reduzir desta forma a demanda pelo capital de reposição. Essas duas atividades a que acabo de me referir na conceituação da teoria do crescimento de Kalecki são as fontes de crescimento que não exigem investimento. E, portanto, é uma área extremamente importante, esta é para mim e para os planejadores do desenvolvimento a principal mensagem do conceito do desenvolvimento ambientalmente sustentável. Como melhorar a produtividade dos recursos e não somente a produtividade do trabalho? Como aumentar a produtividade dos recursos e a vida útil do patrimônio já existente através do trabalho? Eu acho que é por aí que engrenamos o debate sobre o desenvolvimento ambientalmente sustentável e, ao mesmo tempo, socialmente includente. As obras públicas, em particular aquelas que não têm o componente de importação e se caracterizam por uma maturação rápida - as cisternas de que o Nordeste tanto carece são um bom exemplo - merecem uma atenção toda especial. Segundo o último relatório do diretor-geral da OIT, programas infra-estruturais baseados em métodos intensivos em mão-de-obra, realizados em uma dezena de países, mostraram-se de 10% a 30% mais baratos em termos financeiros, reduziram o conteúdo de importação em 50% a 60% e geraram de 3 a 5 vezes mais empregos do que teria sido o caso ao recorrer-se a métodos mais intensivos em capital. Eu penso que este capítulo de obras públicas de infra-estrutura tão necessária é fundamental na geração de empregos e permito-me lançar uma sugestão, que ainda não consegui elaborar em detalhe, que é a criação de brigadas de voluntários do desenvolvimento que seriam os embriões de futuras cooperativas de trabalho. Eu acho que é um tema que merece ser discutido dentro deste programa do primeiro emprego. Mas como fazer com que as empreiteiras passem, cada vez mais, a subcontratar os serviços de cooperativas de trabalho e dar a essas cooperativas um espaço maior nos trabalhos de infra-estrutura e de manutenção nessa área? Dando um passo à frente, podemos qualificar como quase nãocomercializável a agricultura voltada à produção de alimentos para os mercados locais. Isto nos leva a considerar o futuro da agricultura familiar, evidentemente o maior contingente, o maior potencial de empregos e autoempregos na visão do desenvolvimento includente. A agricultura moderna, altamente mecanizada, alcança hoje produtividades de trabalho da ordem de 1.000 a 2.000 toneladas de equivalentes grãos por trabalhador em ano, porém emprega apenas algumas dezenas de milhões de pessoas. No outro extremo está metade da espécie humana, os agricultores familiares: 3 bilhões. A maioria sobrevive produzindo uma mera tonelada por homem/ano, a minoria que se beneficiou da revolução verde alcança 10 a 50 toneladas. De qualquer modo, uns 20 milhões de produtores eficientes adicionais poderiam facilmente retirar do mercado todos os agricultores familiares do mundo. Este é um cálculo apresentado num livro recente por Samir Amin, que, ao comentar estes dados, conclui: é preciso aceitar a permanência da agricultura camponesa durante todo o futuro visível do século XXI. Para isto serão necessárias políticas de regulação das relações entre a agricultura camponesa e o mercado, e a desconexão dos preços internos e dos preços mundiais. O problema não se resolverá pela redução das barreiras protecionistas nos países industrializados. A sua análise aplica-se ao caso brasileiro. Ao ler este livro, lembrei-me da proposta de um outro eminente economista egípcio, Ismail Sabri Abdalah. No seu artigo ele escreveu que lograr nos países do sul uma industrialização sem descampesinação, é ir buscando modelos de economia mista nos quais a indústria moderna convive com uma extensa economia rural intensiva em mão-de-obra empregada não só na agricultura e nas agroindústrias descentralizadas, mas também em numerosos serviços, incluindo a gestão ambiental. Chegamos assim a um dos temas centrais deste seminário, a geração de empregos a partir da valorização das biomassas terrestres, florestais e aquáticas - e sua transformação em alimentos, bioenergia, fertilizantes, fibras, plásticos, materiais de construção, fármacos e cosméticos, mediante a aplicação de biotecnologias nas duas pontas do processo - para aumentar os rendimentos da produção primária e para expandir o leque dos produtos derivados da biomassa, bem como as tarefas que daí resultam para o sistema de fomento, o dispositivo de pesquisa e instituições como o Sebrae, voltadas para a promoção de empreendimentos de pequeno porte, este será o miolo deste seminário. Não me anteciparei ao debate, vou me limitar a uma profissão de fé fundamentada nas minhas andanças pelo Brasil ao longo destas décadas. Penso que a maior biodiversidade do mundo, as imensas reservas de terras cultiváveis, as condições excepcionais para promover uma reforma agrária abrangente e a variedade de ecossistemas e climas, junto com a excelência dos pesquisadores em agronomia e biologia, predestinam o Brasil a liderar em escala mundial o processo de transição ao desenvolvimento socialmente includente e ambientalmente sustentável. É hora de caminhar da civilização do petróleo à civilização da biomassa, valorizando de maneira ecologicamente correta os recursos renováveis, construindo um diversificado complexo bioindustrial e transformando, assim, em vantagem permanente a condição de país tropical. Considero que o Brasil está em condições de ingressar na trajetória do desenvolvimento includente sustentável e sustentado mediante uma estratégia nacional, voltada à mobilização dos recursos naturais e físicos existentes no país, e fundamentada no conceito cepalino de desenvolvimento a partir de dentro (desarollo desde adentro, na formulação de Osvaldo Sunkel) que não se deve confundir com o crescimento autárquico. Apesar da vulnerabilidade externa da economia brasileira, deveria ser possível acelerar a reforma agrária e transformar gradualmente os assentamentos em vilas agroindustriais, expandir o complexo bioindustrial, partir para um grande mutirão habitacional e ampliar a frente de obras infra-estruturais promovidas por métodos intensivos de mão-deobra. Permitam-me um post scriptum, antecipando uma crítica que surge freqüentemente. Àqueles que teimam em dizer que as restrições macroeconômicas atuais não deixam espaço para promover um crescimento puxado pelo emprego, eu gostaria de apresentar, brevemente, três contraargumentos. Um dos mais primorosos trabalhos de Kalecki sobre o financiamento do desenvolvimento chega à conclusão que, em última instância, a única barreira para o crescimento puxado pelo emprego é a oferta elástica de bens de salário. Enquanto essa oferta de bens de salário for elástica, não haverá pressão inflacionária ao financiar mais trabalhos desse tipo. Uma outra consideração mais prática: entre o que estamos discutindo hoje nesta sala e o momento em que vamos implementar estas idéias vai transcorrer um lapso de tempo (eu não sei se de 1 ano, de 2 anos, de 3 anos), ou seja: estamos discutindo hoje coisas que serão realizadas numa época em que as restrições macro-econômicas esperemos, serão menores do que são hoje. Portanto, não nos censuremos por este argumento de restrição macro-econômica. Finalmente, voltando mais uma vez ao pensamento de Kalecki, devemos a ele a definição mais curta que eu conheço do planejamento. Para ele planejar é pensar por variantes. Mas o que significa isso? É comparar várias trajetórias, comparar vários projetos para escolher os melhores, os mais interessantes. Para isso, é preciso ter uma quantidade de projetos superior ao número de projetos que serão implementados. Ouço dizer que a falta de projetos é, hoje, um dos principais gargalos que constitui um freio ao desenvolvimento do Brasil. Portanto, reflexões como estas, que me permiti apresentar aqui, são convites para que passemos a trabalhar o mais cedo possível sobre projetos concretos reunindo a pesquisa - a Embrapa, que tem todas as condições para identificar as diferentes potencialidades de biomassa brasileira; a Finep que deveria incentivar a pesquisa em biotecnologias - as instituições do fomento, que deveriam montar a partir desses conhecimentos micro-empreendimentos e cooperativas concretas, e instituições como o Sebrae, que têm a capacidade de ajudar na articulação de projetos concretos. Faço votos que um programa desses surja deste seminário, sob a batuta do nosso caro professor Lessa e do BNDES. Muito obrigado.
Acesso em: 11 dez. 2008.